Obama: se quiserem a liderança, EUA têm de mudar

No dia 14, o presidente Barack Obama fez um discurso na Universidade Georgetown, em Washington, para explicar por que estava atacando tantos assuntos econômicos logo no início de seu governo. Obama afirmou que o país precisava romper o ciclo de expansão e retração e citou o Novo Testamento, insistindo em uma nova estrutura econômica para o país.

Essa estrutura seria criada por meio de melhores escolas, energia alternativa, assistência médica mais acessível a todos e melhor regulamentação sobre Wall Street. No fim daquela tarde, o jornalista David Leonhardt sentou-se com Obama para uma conversa de 50 minutos no Salão Oval – sem nenhum assessor econômico presente.

A seguir, um resumo da entrevista concedida a David Leonhardt* :

Recentemente estive no Estado de Virgínia Ocidental, onde falei com alguns estudantes universitários que se formarão em uma época de recessão. Eles temem que seus empregos sejam transferidos para a China. O sr. ouve essas coisas o tempo todo. O que o sr. diria a eles?

Começaria afirmando que basta olhar para as estatísticas. A taxa de desemprego para os que se formam no ensino secundário é pelo menos três vezes menor do que a dos que se formam em universidades. Portanto, é verdade que nessa crise econômica estamos vendo que são os empregos de colarinho branco os mais afetados. Mesmo antes da crise, é verdade, víamos a exportação de empregos de colarinho branco. Mas, se olharmos bem, as possibilidades de alguém conseguir um emprego que pague um bom salário de classe média aumentaram consideravelmente para os que se formam em faculdades. A não ser que você seja LeBron James (jogador de basquete do Cleveland Cavaliers). O maior desafio que temos na educação é garantir que, do jardim de infância até a faculdade, ou até o mestrado ou mesmo o doutorado, as pessoas aprendam de fato profissões que as tornem competitivas e produtivas em uma economia moderna e tecnológica. É por isso que não quero ver mais estudantes formados em cursos preparatórios. Quero ver mais gente formada em matemática, em ciências, em engenharia. Acho que em um determinado período da economia pós-crise deveremos restabelecer o equilíbrio entre o “fazer coisas” e o “oferecer serviços”, sejam eles quais forem. Todos devem ter bons empregos. Por causa do avanço da automação e da tecnologia, jamais voltaremos para uma economia na qual a indústria responderá por uma porcentagem de oferta de empregos equivalente àquela dos anos 40.

E há vantagem em empregos no setor de serviços? Menos acidentes, talvez?

Menos acidentes, menos estresse. Eu sempre digo que, se um funcionário do Wal-Mart recebe US$ 25 por hora – da mesma forma que um operário do setor automotivo -, não há nenhum motivo para reclamação. Embora ache que exista um aspecto de produção numa fábrica que chama mais a atenção das pessoas. Eu compreendo isso. Quando entrava em uma fábrica durante a campanha, via enormes turbinas e muitas outras coisas que você não vê em lojas do mercado varejista. A questão é que, se você pensa em nossos concorrentes no longo prazo na economia global – China, Índia, União Europeia, Coreia, Brasil -, percebe que são países que estão produzindo mão de obra com uma formação melhor, cujo sistema educacional enfatiza as ciências e a matemática, que conseguem traduzir essa formação tecnológica ou científica em aplicações no campo tecnológico. Eles terão uma vantagem significativa na economia e acho que precisamos adotar isso para mantermos nosso vigor econômico.

Minha ideia é fazer uma conjectura sobre como será a vida após a crise. Como o sr. imagina que serão as finanças na economia do futuro? Elas precisam ser reduzidas ou serão inevitavelmente reduzidas?

Em primeiro lugar, deveríamos distinguir entre finanças como a parte vital da nossa economia e finanças como um setor importante no qual temos uma vantagem comparativa. Portanto, pensando apenas em termos de expansão da nossa economia, precisamos dispor de crédito suficiente para financiar empresas, grandes e pequenas, para que os consumidores tenham flexibilidade para fazer compras em longo prazo. Isso não mudará. E eu ficaria preocupado se o nosso mercado de crédito encolhesse a ponto de não permitir o financiamento da expansão no longo prazo. Isso significa não apenas que nós precisamos de um setor bancário sadio, mas que também precisamos saber o que fazer com o setor não bancário do qual saía cerca de 50% do nosso crédito. Teremos de determinar se o mercado de produtos securitizados se recuperará em consequência ou não de algumas medidas que o Fed (o banco central americano) e o Tesouro estão tomando. Estou otimista e acho que, no final, faremos com que essa parte do setor financeiro volte a funcionar. No entanto, reconquistar a confiança poderá levar algum tempo. O que mudará é o que considero uma aberração, o fato de os lucros das empresas do setor financeiro se constituírem numa parcela tão gigantesca da lucratividade em geral. Isso mudará. Em parte, isso tem a ver com os efeitos da regulamentação que inibirá, de alguma maneira, o enorme endividamento e os riscos assumidos que se tornaram tão comuns. É importante compreender que, antes de mais nada, essa riqueza era bastante ilusória.

Então não fará falta?

Fará falta se você levar em conta que jovens de 25 anos recebiam bonificações milionárias e se acostumaram a pagar US$ 100 por um jantar, enquanto o garçom recebia gorjetas de fazer inveja a professores de universidade. Então, a dinâmica do setor financeiro terá alguns efeitos em cascata, particularmente em um lugar como Manhattan. Contudo, acho que há sempre um sentimento insustentável em relação ao que aconteceu em Wall Street nos últimos 10 ou 15 anos. Não é tão diferente do que aconteceu durante o boom das empresas “pontocom”, quando as pessoas ganharam enormes fortunas, embora o que elas vendessem não parecia dar lucro. Isso não significa que o Vale do Silício não se constitua numa parte crucial da nossa economia. Wall Street continuará sendo uma parte importante da nossa economia, como nos anos 70 e 80. Só não corresponderá mais a 50% da economia. Isso significa que muitos outros talentos e recursos irão para outros setores. Acho mais saudável. Não quero que todos os que entrem na universidade que sejam bons em matemática se tornem corretores de derivativos. Quero que alguns deles se dediquem à engenharia, outros à computação.

Podemos dizer que Wall Street melhorou a vida do cidadão médio, como o Vale do Silício?

Bom, acho que parte da democratização das finanças é de fato benéfica, quando devidamente regulamentada. Portanto, acho importante que um grande número de pessoas tenha podido atuar nos mercados financeiros – ao contrário do que acontecia antigamente – e a custos muito mais baixos. Mas o fato de existir uma regulamentação tão fraca em alguns desses mercados, particularmente no das hipotecas garantidas, significa que o prejuízo também foi democratizado. Isso é um problema. Mas há maneiras de participar da Bolsa e dos mercados financeiros sadios. Novamente, o que é preciso fazer é uma atualização dos regimes reguladores em comparação com o que foi feito nos anos 30, quando foram adotadas medidas que davam aos investidores um pouco mais de garantia de que eles podiam saber o que estavam comprando.

Sobre a Grande Depressão, ela causou um aumento na formação em cursos secundários. Um diploma naquela década, antes privilégio da elite, passa a ser comum e vira uma passagem para a classe média. Qual o sr. acha que é a passagem para a classe média hoje?

Eu e minha equipe estabelecemos uma meta de que todos deveriam cursar pelo menos um ano após o secundário. Na minha opinião, seria rigoroso demais afirmar que todos precisam de quatro anos de universidade. Acho que todos precisam de um curso depois do secundário que os torne competentes em campos que exigem conhecimentos técnicos, porque é muito difícil imaginar que seja possível conseguir um emprego que permita a uma pessoa sustentar-se sem isso. Se pudermos melhorar o nível não apenas do nosso ensino secundário, mas também das escolas técnicas ou do pré-universitário para proporcionar uma sólida base técnica que permita aos jovens realizar tarefas complexas na economia do século 21, isto será bom para o indivíduo e crucial para a economia como um todo. Quero enfatizar, entretanto, que parte do desafio está em garantir que as pessoas também recebam no ensino secundário aquilo de que necessitam. Usei o exemplo da minha avó para um monte de coisas, e acho que está certo. Ela nunca estudou em universidade. Ela frequentou o secundário. Ao contrário do meu avô, ela nunca se beneficiou da Lei dos G.I., que oferecia vantagens aos veteranos de guerra, embora ela tivesse trabalhado em uma linha de montagem de bombardeios. Minha avó trabalhou como secretária, mas conseguiu tornar-se vice-presidente de um banco, em parte porque sua formação no secundário foi bastante rigorosa para ela poder comunicar e analisar informações de uma maneira que, francamente, muitos universitários de muitas partes deste país não conseguem.

O sr. considera que a crise econômica é um evento suficientemente grande para fazer com que nós, enquanto nação, estejamos dispostos a fazer as escolhas muito mais difíceis na área da saúde, impostos e energia? Tradicionalmente, essas escolhas são feitas em tempos de depressão ou de guerra, e não tenho certeza se isto chegará a esse nível…

Isso depende em parte de liderança. Portanto, tive de usar argumentos sólidos. E é o que venho tentando fazer desde que cheguei aqui, ou seja, agora é o momento de tomarmos decisões difíceis, importantes.

Os críticos dizem que o sr. está falando demais, que não pode fazer tudo isto ao mesmo tempo, que o Congresso não consegue digerir tudo…

É verdade que, por mais dura que seja a conjuntura econômica, como agora, não tivemos 42 meses de 20% ou 30% de desemprego. Portanto, o grau de desespero e o choque infligido ao sistema talvez não sejam tão grandes. Isso significa que haverá mais resistência a qualquer uma dessas medidas: a reforma do sistema financeiro, do sistema de saúde e da energia. Em cada uma dessas questões, a situação não está tão ruim para que alguns americanos cheguem ao ponto dizer: “Estamos dispostos a tentar algo completamente novo.” Mas parte do meu trabalho é diminuir a distância entre a situação atual e o que teremos de fazer para nosso futuro.

O sr. teme que o ciclo econômico torne isto muito mais difícil?

Franklin Roosevelt assumiu a presidência quatro anos depois do colapso da Bolsa. O sr. tomou posse quatro meses depois que o Lehman Brothers entrou em colapso. A certa altura, as pessoas talvez comecem a se perguntar por que a situação não melhora…

Já pensei nisto. Antes mesmo da eleição eu sabia que esta seria uma jornada muito difícil, que a economia sofreu um choque grande e não se recuperará de imediato. De certo modo, entretanto, isto é uma coisa libertadora, porque os problemas são suficientemente grandes e fundamentais que não dá para brincar com isto. Não se trata de uma daquelas coisas em que eu posso dizer: “Bom, se eu escolher o momento certo, o mercado subirá e o desemprego cairá antes da reeleição”. São problemas muito sérios e muito mais sistêmicos. Então, de algum modo, você deixa de lado a política.

Tenho certeza que, considerando as difíceis opções que nos esperam, estamos tomando decisões sensatas. Tenho uma enorme confiança que estamos fazendo as melhores escolhas. Isto não significa que todas as escolhas serão acertadas, que funcionarão exatamente do modo que queríamos. Mas eu acordo pela manhã e vou para a cama à noite achando que o rumo que estamos imprimindo à economia é o certo.

* David Leonhardt é formado em matemática aplicada pela Universidade de Yale e é colunista do New York Times

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