Impactos do tempo na pré-história

Foto: Arquivo

Forte mudança do tempo causou a extinção de uma espécie de parasita do gênero Trichuris.

Rio de Janeiro – A descoberta de uma espécie de parasita tida como extinta evidencia que, além dos impactos ambientais mais conhecidos, as mudanças climáticas podem alterar a distribuição de diversas espécies de helmintos e, consequentemente, a ocorrência de doenças causadas por esses tipos de vermes.

Após análise feita com fezes fossilizadas de mocós (espécie de roedores) no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, um grupo de pesquisadores passou a suspeitar que uma forte mudança no clima da região há 10 mil anos teria sido a causa da extinção no local de uma espécie de parasita do gênero Trichuris, que pode infectar humanos.

A suspeita da equipe do Laboratório de Paleoparasitologia do Departamento de Endemias da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estava embasada no fato de as fezes dos mocós atuais não apresentar o helminto. Porém, ao analisar fezes de roedores da mesma espécie no Parque Nacional Serra das Confusões, também no Piauí, os pesquisadores encontraram o parasita. Com a descoberta, veio a certeza. ?Como hoje em dia o clima no Parque das Confusões é mais úmido, similar ao do Parque da Capivara há 10 mil anos, concluímos que aquela espécie de parasita se extinguiu por causa das mudanças climáticas ocorridas nesse último local. Como o clima no primeiro parque permaneceu úmido, ele conseguiu sobreviver por lá?, disse a paleoparasitologista Luciana Sianto.

Luciana explica que os helmintos são encontrados nas fezes fossilizadas normalmente em ovos, envoltos em uma casca, o que permite a conservação por milhares de anos. ?Os helmintos evoluem devagar. O homem moderno tem parasitas que estavam em nossos ancestrais e que não se transformaram em várias espécies, como ocorreu com o próprio homem durante sua evolução?, disse.

Rodízio de parasitas

Segundo a pesquisadora da Ensp, o parasita desapareceu na Serra da Capivara porque, para completar seu ciclo, precisava passar pelo solo. ?Se não passasse pelo solo, não se tornaria infectante?, explicou. Por poder sobreviver apenas em temperatura de até 20.ºC, quando o clima se tornou mais quente, a espécie não resistiu.

No entanto, existem parasitas de ciclos diferentes que, quando eliminados, podem infectar imediatamente, como é o caso do oxiúro, que atinge especialmente crianças. Nesse caso, a contaminação é direta. ?Estamos falando de um tipo de parasita que resistiu a mudanças e que veio para o Brasil com as migrações pelo estreito de Bering. Encontramos espécies de oxiúros tanto em coprólitos de humanos pré-históricos como nas fezes da população atual?, disse a pesquisadora.

Além das análises de fezes fossilizadas de humanos e de animais, o Laboratório de Paleoparasitologia da Ensp faz também estudos de dieta de populações antigas. O objetivo é analisar as doenças do passado e avaliar se (e como) seus agentes causais se adaptaram às mudanças climáticas, se surgiram novas endemias ou se retornaram ainda mais freqüentes.

Segundo ela, a partir do momento que um parasita desaparece, pode haver o aparecimento de outro. ?E, se não havia transmissão para o ser humano, pode passar a ter. É normal a população ter parasitas. O problema é que, quando se elimina o parasita comum a um indivíduo, abre-se uma porta para outro.? 

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