Histórias e polêmicas agitam as festas das tribos urbanas

Vigiado por câmeras numa mansão em Beverly Hills, em Los Angeles, com a mulher e dois filhos, o ex-vocalista da Black Sabbath, Ozzy Osbourne, de 53 anos, causou espanto ao proibir o caçula, Jack, de ir a uma rave num dos episódios do reality show “Os Osbournes”, exibido pela MTV. O que há nessas festas que nem o roqueiro cinqüentão, que na juventude costumava exagerar na mistura de bebidas e drogas, as enxerga com bons olhos? Como muitos pais, Ozzy nunca foi a uma rave e se habituou a associá-las a overdoses de álcool, drogas, música eletrônica e festas que duram dias seguidos.

– O fantasma daqueles que detestam as raves é a droga. Mas não se pode dizer que todos numa rave se drogam. É natural que os pais se sintam ameaçados, mas o consumo de drogas não é exclusividade de raves e nem dos que as freqüentam – diz o psicanalista Eduardo Leal Cunha.

Com um público que oscila entre três mil e nove mil freqüentadores, a rave (palavra inglesa que significa delírio, fúria, empolgação) saiu do circuito alternativo, ganhou status de superprodução. Caiu no gosto dos jovens de classe média em busca da diversão que dura várias noites. Realizada em sítios e fazendas distantes dos centros urbanos, a maratona da festa tem uma miscelânea de atrações, que inclui malabaristas performáticos, engolidores de fogo, telões psicodélicos, estandes de objetos esotéricos, venda de acessórios fluorescentes e de roupas da moda, e, é claro, música eletrônica para todos os gostos. Só entra na festa quem paga ingressos que chegam a R$ 30, por dois dias e duas noites. Eventos como o MegAvonts (em São Paulo), a Domus, a Er Rave e a Rave Xxxperience (no Rio), contam com um supertime de DJs no comando da trilha sonora. A galera vê o sol raiar em tendas diferentes para cada vertente da música eletrônica: house, techno, drum’n’bass e trance.

– Megaproduções, como a Xxxperience, custam R$ 50 mil, pelo aluguel do espaço, pela decoração, pelas filipetas, pelo trabalho dos DJs e dos performáticos – diz o produtor Cabbet Araújo, idealizador da Bunker Rave.

Versão da música eletrônica que mais reúne adeptos no mundo, o psytrance tem um quê de hippie em sua filosofia e no estilo visual. Mantras indianos e painéis psicodélicos se juntam a batidas aceleradas e melodias hipnoticamente repetitivas. As pessoas dançam sozinhas. Mas pregam paz, amor, fraternidade e respeito à natureza. Usam roupas neo-hippies, com acessórios fluorescentes. Só não são unânimes sobre o uso de drogas. Ecstasy, ácido, maconha e lança-perfume fazem parte da festa, assim como os óculos escuros, que disfarçam a fotofobia e as pupilas dilatadas pelo consumo de drogas. A turma do ecstasy ainda desfila com garrafinhas de água: a pílula dá muita sede e euforia. Para o artista Marcelo Jaz, as raves discutem valores sociais através de estados de transe.

– Para evoluir, temos que transcender. Apenas a droga pode proporcionar esse estado de transcendência – diz.

Mas há quem vá à rave em busca de um transe provocado apenas pelas batidas da música e pelo ritmo da dança:

– O trance é um som que busca a essência perdida do homem. O contato com a natureza tem a proposta de conectar as pessoas e deixá-las em transe através da dança, assim como as tribos faziam nos rituais xamânicos – diz a carioca Juana Jung, de 21 anos, que já viajou o mundo em busca de raves e foi até a uma megafesta na África.

O estudante Gabriel Leite, 17 anos, diz que só curte o trance, o clima de fraternidade e a vibração do som.

– Sou budista e não uso drogas. Para mim, só a música trance já é suficiente para elevar o espírito.

Para o psicanalista Eduardo Leal, os jovens estão buscando uma identidade cultural nas raves.

– A rave surge como um espaço sedutor, uma nova possibilidade de convivência com as diferenças. Lá se encontram todas as tribos: mauricinhos, patricinhas, hippies, gays, lésbicas, clubbers, gente de todas as idades e cada um na sua. É fundamental que se conviva com as diferenças para aprender a respeitar os limites do outro.

Solitários na pista, em clima de paz e amor

Os primos Camila, Maria e Marcos, de 17 anos, vêem na rave uma oportunidade de sair do lugar-comum na noite carioca. Todos, no entanto, mentem em casa com medo de que os pais os proíbam de ir às festas de música eletrônica.

– Adoramos a música e o visual de quem freqüenta. Não usamos drogas, mas preferimos mentir para os nossos pais porque eles não entenderiam se disséssemos que freqüentamos essa festa sem usar drogas – diz Maria.

Mãe de Lucas, de 23 anos, e de Augusto, de 24, a estilista Sandra se assusta com a possibilidade de os filhos terem interesse em raves.

– Quem começa a dançar à meia-noite e fica dias nesse transe com certeza não é movido a refrigerante. Todas as mães que eu conheço estão aterrorizadas com o que imaginam ser essas festas.

A estudante de psicologia Juana Jung foi à África atrás de uma rave. Juana cruzou o oceano para ouvir trance numa festa que celebrava o eclipse total do Sol, em Chisamba, na Zâmbia, no ano passado, e acabou se apaixonando por um sul-africano. A saudade do namorado a fez retornar ao continente meses depois, onde participou de outras festas e viajou pelo Sul da África. A turnê lhe rendeu uma mudança no modo de pensar e no visual, incrementado por acessórios tribais e dreadlocks.

– Ir a uma rave é melhor do que ficar no clima escuro e esfumaçado das boates, na atmosfera negativa das drogas.

Embora saiba que nas festas há estandes com calças, blusas e saias em preços que vão dos R$ 20 aos R$ 150, a webmaster Gisele Araújo, de 23 anos, não dispensa aquilo que chama de kit rave para festas com mais de 24 horas.

– Na mochila, levo toalha, canga, protetor solar, repelente, papel higiênico, pasta, escova de dentes, uma barraca de camping de três lugares, uma blusa para cada dia e duas peças de baixo, em geral uma saia e uma calça. Também levo frutas, pão de forma, biscoitos, sucos e chocolate.

Cientistas sociais como a antropóloga Tatiana Bacal se debruçam sobre pesquisas dedicadas à geração rave. Autora de uma tese de mestrado sobre DJs, Tatiana vê semelhanças entre o comportamento dos adeptos do trance e a geração hippie.

– Em comum com a filosofia dos anos 60 e 70, temos o movimento de orientalização. A juventude usa os valores orientais para criar e misturar mantras à batida eletrônica.

Figuras fáceis das raves, os crusties, ou nômades, percorrem as festas por todo o continente com suas performances malabaristas e equilibristas. Ao visual, é incorporado o dreadlock dos cabelos, no melhor estilo rastafari, às vezes com detalhes neo-hippies fosforescentes. O tatuador Harebow Lex vê nos crusties traços dos anos 70.

– Os crusties se isolam da cidade e se apóiam no visual da contracultura. Conheço vários, com seus dreadlocks e malabares.

Um dos mais festejados DJs de trance, Fluorenzo, ou Lourenço Amorim, só vê idéias positivas nas raves. Tanto que leva a família toda para as festas onde trabalha. E comenta:

– As festas celebram a união. A onda não é individualista, ainda que pareça. Muitos dançam sós, mas todos estão ali por um objetivo em comum, curtir música eletrônica.

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