Fugir da rotina é importante para a satisfação

É um prazer imenso abrir uma garrafa de vinho, encontrar um vinil raro em um sebo, ser capaz de tirar de uma obra de arte toda o significado que traz ou conseguir fazer com que uma pessoa se entregue apaixonadamente. Muitas pessoas se permitem fugir um pouco do cotidiano e encontram prazer e satisfação em atividades como essas – algumas bastante acessíveis.

 ?Não é o prazer do álcool, mas das coisas a mais que o vinho traz?, aponta o administrador Roberto Dessimoni Cartaxo. Em um escritório, no horário comercial, Cartaxo presta serviços de consultoria. Porém, em busca do prazer, às terças à noite ele reúne outros seis amigos em um grupo de degustação, e, às sextas e sábados, também após o expediente, trabalha como sommelier em um chalé suíço, em Curitiba. A confraternização, o conhecimento e o mistério do vinho são o que fazem Roberto se entregar a esse prazer. ?Eu procuro o prazer do convívio quando sento com amigos para curtir o vinho. Compartilhar o conhecimento sobre a bebida também é prazeroso. Cada garrafa, cada desenvolvimento, detectar sabores diferentes e aromas diferentes trazem prazeres diferentes?, explica.

?A partir do momento que achamos o que nos dá prazer temos de nos entregar. A melhor forma de descrever o prazer de tomar um bom vinho é tomando e prestando atenção nele?, sugere Roberto. E não é pelo preço porque ?o melhor vinho do mundo é aquele que a gente gosta?, afirma.

Oito mil LPs

Para Jaime Peters, o prazer é outro. ?Começou como uma brincadeira. Levava discos para casa, dava alguns para amigos. Até que comecei a ficar mais preocupado e a guardá-los com mais carinho. Saía e levava pacotes de vinil para casa. Gastava salários inteiros?, conta. ?O que me dá mais prazer é ter os discos. São duas coisas que me fascinam: ter as coleções fechadas (como as de Marco Perreira, Clara Nunes, Paulinho da Viola) e ter raridades, coisas que as pessoas não têm?, afirma Jaime. Mas ele tem uma justificativa para tanto prazer. ?Na vida as pessoas têm de se ocupar de coisas além do dia-a-dia. Até para compensá-las quando ficam sozinhas. A música é minha companheira?, diz. O prazer dos vinis podem custar de R$ 0,50 até mais de R$ 1 mil. ?Um vinil raro está em torno de R$ 150, R$ 200 ?, conta Jaime.

Amante da arte

O professor Mauri Cruz é presidente da Associação Brasileira de Espiritismo, presidente e fundador do Lar Escola Leocádio Correia, fundador do Museu Nacional do Espiritismo, em Curitiba, sociólogo e professor de Sociologia e Direito. Entre tantas atividades, ele dedica, todos os dias, um tempo para o seu grande prazer: as xícaras antigas, a coleção dos pintores do Paraná, os jogos de porcelana rosental, os livros antigos, os cristais Bacará. ?Todos os dias me dedico um pouco a pesquisar alguns objetos que ainda não consegui contextualizar a contento?, relata Mauri.

?É um prazer. E eu diria que além de prazer é um exercício de integração com a vida. Eu sinto como se eu aquecesse interiormente. É uma sensação de alcance maior de mim mesmo?, explica o professor. O prazer dele pode custar menos do que muitos imaginam. ?O Brasil é um país sem memória. Encontro obras consideráveis em esquinas, nas ruas?, conta. 

Aulas de artes sensuais em alta

Algumas pessoas cuidam do prazer dos outros – o que não deixa de ser, também, o próprio. Esse prazer um pouco mais ?caliente? não poderia deixar de ser mencionado. Fátima Moura é personal sex trainer em São Paulo e trabalha literalmente com o prazer. ?O prazer para mim é uma entrega dos dois, no ato sexual como um todo. O prazer vem de estar bem, saber limites, descobrir. É preciso se preocupar também com o próprio prazer e satisfação. Perder a vergonha é o que traz prazer?, conta Fátima.

Com toda a autoridade, Fátima Moura, que realiza cursos e palestras sobre as artes sensuais, diz que hoje em dia as pessoas estão mais preocupadas com a qualidade do prazer. E os homens, assustados com a ?nova mulher?, procuram cada vez mais o trabalho dela, para aprender melhor sobre o assunto. Fátima trabalha de domingo a domingo, mas não deixa seu prazer de lado. ?Nem encaro como um trabalho. Para mim é fantástico. Sinto muito prazer com o que faço. É muito gratificante cuidar do prazer?, afirma Fátima Moura. (NF)

Excesso de prazer gera sofrimento e angústia

?O problema atual é que nós padecemos de excessos de prazeres. Nunca houve tanto o obter satisfações e gozos como agora. Tem-se satisfação ao entrar num shopping, adquirir objetos, produzir tecnologias, ver algo?, comenta o psicólogo José Roberto Giotto, chefe do setor de Psicologia do Hospital de Clínicas.

Ele explica que a relação de prazer é muito ligada aos instintos, o que a psicanálise chama de pulsão. ?Ligado aos níveis de auto-erotismo e obtenção de realização de uma série de coisas?. Porém ele faz um alerta. ?O nível de prazer é muito ligado também ao de desprazer?, afirma o psicólogo. Esse desprazer vem quando há o excesso. ?Hoje temos uma obrigatoriedade dos gozos. Não quer dizer que esteja realmente ali o prazer. Sócioculturalmente se valoriza muito o hedonismo, que implica no sofrimento?, observa José Roberto Giotto.

Ele diz que o problema ?não está em obter prazer, e sim quando este se transforma em obrigatoriedade como fim último, quando o resto não vale nada?. É nesse momento, como explica o psicólogo, que surgem as patologias e que o prazer leva ao sofrimento e à angústia. ?É evidente que existe um ponto narcisístico que não abandona esse ponto de satisfação. Deixa-se o ser de lado?, destaca.

?Se você não está de fato ali, na sua essência, você precisa ir em busca de prazeres substitutos?, sugere. O importante, na busca de tantos prazeres, é não deixar que eles interfiram na vida e nos relacionamentos. ?O problema é quando o vinho se torna mais importante que a companhia?, completa José Roberto Giotto. (NF)

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