Deficientes entram no mercado de trabalho

A inserção no mercado de trabalho não está sendo fácil para ninguém. Imagine, então, para os deficientes. Eles são capazes de exercer muitas atividades, com a mesma produção e comprometimento de qualquer outro trabalhador. Mas não é dessa maneira que a sociedade os vê. A situação está mudando um pouco graças à Lei 8.213/91, somente regulamentada em 1999, que implanta cotas de preenchimento de vagas em empresas para deficientes e pessoas reabilitadas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

?Há muito o que fazer, mas já tivemos um grande avanço se considerarmos que nunca foi feito nada?, opina Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, procurador regional do Ministério Público do Trabalho. De acordo com ele, 1.750 vagas foram preenchidas por este sistema somente no ano passado. A lei diz que, se a empresa tem de 100 a 200 funcionários, 2% destas vagas devem ser destinadas aos deficientes; de 201 a 500, 3%; de 501 a mil, 4%; e superior a mil, 5%. Os efeitos da lei só começaram a ser sentidos a partir de 2000, pois a sua regulamentação aconteceu no ano anterior.

Apesar das muitas críticas quanto ao sistema de cotas, seja em qualquer esfera e em benefício de qualquer grupo excluído, Fonseca defende este sistema, por acabar garantindo o direito dos deficientes. ?Trata-se de uma ação afirmativa de um conceito de igualdade real a favor de grupos sociais que são discriminados?, afirma. A lei se tornou uma ferramenta importante para a inserção dos deficientes no mercado de trabalho, mas ainda permanece desconhecida para a maioria dos empresários. ?As empresas não conhecem nem a lei nem a capacidade destas pessoas. Elas vão trabalhar como qualquer outra. Produzem a mesma coisa e são pontuais?, comenta Fonseca.

Algumas empresas ainda encaram a inserção de deficientes no mercado de trabalho como uma caridade. Não os preparam como outros funcionários e os deixam marginalizados perante todo o processo. ?Não se quer que o deficiente seja apenas um enfeite na empresa. Ele tem que ser tratado como qualquer funcionário. Se não for competente na função, deve ser recolocado em outro cargo ou demitido?, afirma o procurador.

Mesmo com a abertura do mercado de trabalho para os deficientes, muitas famílias não estimulam as pessoas nesta condição a se profissionalizarem e conseguirem um emprego. Os deficientes que não podem trabalhar ganham um salário mínimo de benefício, desde que a renda familiar per capta não passe de um quarto do salário mínimo. Com este recebimento garantido, não há o incentivo em fazer ou procurar um trabalho. ?Muitas famílias carentes dependem deste benefício para sobreviver?, avalia Fonseca. O próprio procurador é o exemplo de que a inclusão é possível, basta querer e dar apoio. Ele é cego e entrou no Ministério Público do Trabalho já nesta condição, há 15 anos.

No próximo dia 31, haverá uma audiência pública com 370 empresas notificadas pelo Ministério Público do Trabalho, na qual a inclusão dos deficientes será abordada. Esta audiência acontecerá no Canal da Música.

Experiências de jovens na Fepe e Secretaria de Saúde

Dois ex-alunos foram contratados pela própria Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (Fepe), para ajudar nas atividades da escola. Sérgio Adriano Leal Fagundes e Jeferson dos Santos Maciel desempenham o papel de auxiliar-guia, que ajuda na condução dos cavalos durante a terapia de alunos portadores de deficiência com os animais. Sérgio trabalha na fundação há 12 anos. Neste meio-tempo, foi atrás de outras oportunidades e mandou currículo para diversas empresas, mas nunca obteve uma resposta. ?Hoje eu desisti. E graças a Deus tenho este serviço garantido?, comenta. Jeferson foi contratado no ano passado. Era aluno das oficinas profissionalizantes quando surgiu o convite. ?Gosto muito daqui. Eu puxo os cavalos e também cuido deles. Dou banho e comida. Pretendo continuar aqui por muito tempo?, diz.

André Peikarzievicz, 32 anos, está fazendo estágio na Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) há três meses, atuando diretamente no gabinete do secretário Cláudio Xavier. ?Eu ajudo na recepção, no apoio administrativo, tiro xerox e levo documentos para os outros departamentos?, explica.

André já teve duas experiências profissionais antes de trabalhar na Sesa. Foi contratado por um supermercado e pela Itaipu Binacional. ?É importante passar pela escola porque é um primeiro passo e dá certo. Estou gostando de trabalhar aqui e espero que eles (secretaria) gostem de mim. Espero que renovem o meu contrato?, anuncia. Ele também passou pela escola da Fepe.

André já conseguiu adquirir alguns bens com o dinheiro que ganhou trabalhando. Comprou alguns móveis e um computador, além de ajudar na renda familiar. Ele ainda estuda durante o período da noite em um supletivo. ?Meus irmãos estão formados e eu quero isso também. Estou recuperando o tempo perdido. No final deste ano, vou fazer vestibular para Turismo?, promete. Simone Peniche da Silva, que passou pela escola da Fepe, também está estagiando na Sesa. Ajuda na entrega de papéis do departamento de recursos humanos do órgão há quatro meses. Ela teve uma experiência profissional anterior, em um supermercado. ?Minha família fala que trabalhar é bom para mim. Também acho isso?, avalia. Tanto Simone quanto André fazem uma jornada de quatro horas diárias.

Segundo a assistente social do departamento de recursos humanos da Sesa, Cidete Maria Chiapetti Casaril, está é uma primeira experiência do órgão na contratação de deficientes. O encaminhamento dos estagiários é feito pela Secretaria de Estado da Administração. ?Como servidores, também temos o compromisso social de auxiliar no papel da inclusão. A entrada de Simone no departamento mudou a nossa rotina. Todo mundo colabora e passa outros aprendizados para ela. Queremos que ela se desenvolva o máximo que puder. Se torna um processo construtivo para ela e para nós também?, argumenta. Cidete garante que Simone está dando conta do recado. Por causa da experiência positiva, a secretaria está aberta a pegar outros estagiários deficientes. (JC)

O caminho para o primeiro emprego

A preparação para o mercado de trabalho também faz parte da vida dos deficientes. Um dos locais que presta este tipo de assistência é a escola especial mantida pela Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (Fepe), em Curitiba. Os deficientes mentais atendidos pela escola passam por oficinas profissionalizantes e, quando os professores sentem que eles estão prontos, são encaminhados para um emprego.

Tudo começa com as oficinas pré-profissionalizantes de atividades domésticas e do viveiro de flores, conforme conta Rosemeire Oliveira de Almeida Kadoya, coordenadora do programa profissional e psicóloga responsável pela colocação no mercado de trabalho da Fepe.

Posteriormente, vem as oficinas profissionalizantes de cartonagem e lavanderia. Na primeira, os alunos fazem caixas, cadernos, blocos, agendas e outros tipos de material de escritório. Elizeu Alves de Aguiar, 16 anos, está participando da oficina de cartonagem montando caixas. ?Tenho a expectativa de sair daqui empregado. O trabalho que vier está bom?, afirma.

Na lavanderia, eles executam todo o processo de lavar, secar e passar as roupas, como o que ocorre na escala comercial. Cuidam da roupa dos alunos e também da comunidade. ?Faço de tudo. Lavo, passo, cuido das máquinas. Gosto muito de trabalhar na lavanderia?, enfatiza Rosana Alexandra Boller, 24 anos. O mesmo sentimento é compartilhado por Patrícia da Silva, também de 24 anos. ?Gosto de tudo aqui, mas lá fora é diferente. Gostaria de trabalhar, de conseguir um estágio?, declara. Empresas com responsabilidade social e que querem cumprir a lei das cotas têm procurado a escola para conseguir candidatos. Dentro do que o empregador está procurando, se analisa a situação de cada aluno que já tem condição de partir efetivamente para o mercado de trabalho. ?Antes de fazer a colocação, vou até a empresa e faço uma sensibilização com os outros funcionários?, enfatiza Rosemeire. Ela também acompanha o desempenho do deficiente no trabalho.

Passar por todo este processo, desde o início da profissionalização até a inserção no mercado de trabalho, varia de cada aluno, do tipo de deficiência e da estimulação recebida em casa. ?As pessoas com menores deficiências são as que encontram maiores dificuldades no mercado de trabalho. Às vezes, têm vergonha?, revela Rosemeire. A coordenadora confirma que o retorno que as empresas sentem ao empregar deficientes é altamente positivo. (JC)

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