Apuração britânica deve se estender pela madrugada

Como manda a tradição britânica, a população vai às urnas em plena quinta-feira, nas eleições mais indefinidas do Reino Unido em décadas. As últimas pesquisas colocam o líder do Partido Conservador, David Cameron, à frente, mas reforçam a possibilidade de um parlamento sem maioria absoluta, o que levará à rara necessidade de coalizão no país. Mais de 44 milhões de eleitores estão aptos a votar hoje, entre as 7h da manhã e as 10h da noite (horário local), em um dia normal de trabalho. A apuração deve se estender pela madrugada.

A campanha de 2010 trouxe uma reviravolta histórica. Há poucos meses, era dado como certo que Cameron, de 43 anos, desbancaria com segurança o Partido Trabalhista, há 13 anos no poder, e se tornaria o novo primeiro-ministro no lugar de Gordon Brown. Não estava na conta de ninguém a ascensão meteórica do líder do Partido Liberal Democrata, Nick Clegg, também de 43 anos. Ele saiu do anonimato graças aos inéditos debates transmitidos pela TV, capazes de remexer a política bipartidária do país, na grande novidade desta campanha.

O surgimento de Clegg embaralhou o cenário e mudou a estrutura de preferência do eleitorado. Seu partido, que historicamente tinha cerca de 20% dos votos, chegou a ganhar mais 10 pontos porcentuais nas pesquisas.

Segundo o jornal “The Guardian”, é atribuído à chamada Cleggmania o crescimento do número de pessoas que se registraram para votar nestas eleições, especialmente entre os mais jovens. Nos momentos de maior euforia, ele chegou a ser chamado de “Obama britânico” pela imprensa. No entanto, mesmo com o impulso, Clegg não tem musculatura suficiente para se tornar primeiro-ministro com base nas votações. O sistema eleitoral do Reino Unido é extremamente desproporcional. O partido que recebe o maior número de votos não necessariamente consegue a maior parte dos assentos no parlamento.

O país é dividido em 650 distritos eleitorais e cada um deles escolhe um membro da Casa dos Comuns. Para se ter uma ideia do contraste, em 2005, o maior distrito era o de Isle of Wight, com 107.737 eleitores, e o menor era o de Na h-Eileanan an Iar, com 21.169 eleitores – ambos com direito a escolher um parlamentar.

Conforme a compilação de pesquisas feita pela London School of Economics (LSE), o Partido Conservador tinha ontem 35% da preferência do eleitorado, o que lhe garantiria 275 assentos no parlamento. Em seguida, estavam os trabalhistas, com 29% (264 assentos), e os liberais democratas, com 26% (79 assentos). Nesse cenário, apesar de os conservadores conseguirem o número mais elevado de parlamentares, não obtêm a maioria absoluta necessária para montar um governo.

Se esse resultado se confirmar, ao invés de seguir para Buckingham e se apresentar à rainha Elizabeth II, Cameron terá de partir para a negociação com outros partidos. Na avaliação do jornal “Financial Times”, a maior probabilidade é que ele governe aliado a outras legendas.

Clegg deve ser o fiel da balança desta eleição. A princípio, a maior proximidade política é com os trabalhistas, que também têm preferência para tentar formar um governo primeiro porque já estão no poder. Mas, caso Gordon Brown fique em terceiro lugar na eleição, pode perder a legitimidade para seguir no cargo. O primeiro-ministro já está desgastado pelos escândalos de gastos abusivos que assolaram o governo no ano passado e até pela gafe cometida durante a campanha – quando chamou uma eleitoral de “fanática” sem lembrar que o microfone estava ligado.

Com a situação embaralhada, analistas contam com a possibilidade do “voto tático”, algo que chegou a ser defendido inclusive por membros do governo trabalhista para evitar que os conservadores cheguem ao poder.