Medidas socioeducativas (Final)

O sistema protetivo adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – no campo das medidas socioeducativas, traz resultados práticos inegavelmente bons. Poderiam ser melhores, se houvesse maior investimento na estruturação dos serviços necessários à execução das medidas. Mas podem igualmente ser melhorados, mesmo com as estruturas atuais, desde que os agentes envolvidos, juízes, promotores de justiça, conselheiros, técnicos, advogados, policiais, voluntários, pessoas da comunidade, saibam manejar os instrumentos jurídicos disponíveis no sentido de torná-los mais eficazes. De qualquer modo, a idade-limite da imputabilidade penal não deve ser rebaixada, pois isso significaria jogar num sistema penal saturado, com gravíssimos problemas e altos índices de reincidência, adolescentes que hoje são processados na Vara da Infância submetidos a medidas socioeducativas, cujos índices de reincidência são muito menores.

O Congresso Internacional de Buenos Aires (1998) nos lembra, em uma de suas conclusões (n.º 34), que “os países devem considerar especialmente que os problemas relativos à violência juvenil têm múltiplas causas de origem cultural e socioeconômica, e será agindo sobre elas e não confiando exclusivamente na repressão penal, que se obterá a desejada segurança para todos os cidadãos, incluindo as crianças”. Por aqui se vê que punir, nesse contexto, significa uma garantia ilusória destinada a atender um sentimento de insegurança dos adultos. Em outro plano, muito mais realista, a medida socioeducativa, de conteúdo essencialmente pedagógico e de reinserção sociofamiliar, nos convida a descobrir e resgatar no adolescente, nas palavras de Miguel Moacyr Alves Lima “um sujeito capaz de amar e de ter esperança, de construir-se e de construir o seu mundo”.

Educar é trabalhoso. É mais difícil construir pessoas do que construir prédios. Porém, uma sociedade se constrói, antes de tudo, na constituição moral e espiritual de seus membros, não somente no cenário material dos resultados de sua performance econômica.

E, dentre os membros da sociedade, a criança e o jovem são a sua maior riqueza, porque renovam a vida na terra e no coração dos adultos. Que Deus nos ajude para que saibamos lhes dedicar o que temos de melhor.

NOTAS

1) – “As medidas socioeducativas impostas ao menor infrator devem ser concebidas em consonância como os elevados objetivos da sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade com pessoa humana e a adoção de posturas demonstrativas de justiça. A internação deve ser reservada a situações quando, na verdade, a família não tenha controle sobre o menor e que se exija um tratamento rigoroso. Daí porque, diante desse quadro, impõe prestigiar-se a decisão do Juízo de Primeiro Grau que examinou a questão à luz dos dados conhecidos pelos assistentes sociais. Hábeas corpus concedido.” (STJ, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, HC 8858/SP.

2) – “A medida socioeducativa de intenação só seta autorizada nas hipóteses previstas taxativamente nos incisos do art. 122 do Eca, devendo ser devidamente fundamentada a sua imposição. A simples alusão à gravidade da infração não é suficiente para motivar a privação total da sua liberdade, até mesmo pela própria excepcionalidade da medida, restando caracterizada a afronta aos objetivos do sistema. Recurso parcialmente provido para determinar a anulação do decisum de 1.º grau, quanto à medida socioeducativa imposta ao paciente, a fim de que outro seja proferido.” (STJ, RHC 12.685/SP, 5.ª. Turma”. “ECA – Adolescente – Prática de atos infracionais equivalentes aos delitos de roubo e furto previstos no Código Penal – Aplicação da medida socioeducativa privativa de liberdade (internação) – Inconformismo – Pretendida substituição da medida socioeducativa de internação por liberdade assistida – Possibilidade de alteração para liberdade assistida cumulada com a de prestação de serviços à comunidade – Recurso provido. A medida socioeducativa de internação só deve ser aplicada em caráter excepcional. Demais, o próprio texto do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”. Da análise dos autos, mais precisamente dos estudos sociais realizados pelo Serviço Auxiliar da Infância e da Juventude, verifica-se que as medidas mais adequadas são a de prestação de serviços à comunidade e a de liberdade assistida, além das medidas protetivas previstas no art. 101, da Lei 8.069/90, como mais eficientes para a recuperação e reintegração do adolescente em sua família e junto à sociedade.” (Aplicação nº 118.726-6, de Umuarama, 1.ª. Câmara Criminal do Eg.Tribunal de Justiça do Paraná. Rel. Desembargador Oto Sponholz, julgado em 7/11/2002, Boletim Informativo Integrado, Ano VIII, n.º 29). Ainda:

3) – “I. A internação só está autorizada nas hipóteses previstas taxativamente nos incisos do art. 122 do ECA, devendo ser sopesada a espécie de delito praticado, assim como a cominação abstrata da pena que receberia o menor se fosse imputável .” (STJRHC 11039/SP. Rel. Min. Gilson Dipp, 5.ª. Turma.

4) – “Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional equiparado ao porte ilegal de arma. Internação. Reiteração. I – A medida socioeducativa de internação está autorizada nas hipóteses taxativamente previstas no art. 122 do ECA, ocorre quando praticados, no mínimo, 3 (três) atos infracionais graves. Cometidas apenas 2 (duas) práticas infracionais, como o foi na hipótese dos autos, tem-se a reincidência, circunstância imprópria a viabilizar a aplicação da referida medida.” RHC 13139/SP, Min. Felix Fischer, 5.ª. Turma.

5) – “As medidas socioeducativas impostas ao menor infrator devem ser concebidas em consonância com os elevados objetivos da sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade como pessoa humana e a adoção de posturas demonstrativas de justiça. Nessa linha de visão, impõe-se que no procedimento impositivo de sanções seja observado o princípio da legalidade, à luz do qual não se admite a imposição de medida socioeducativa de internação fora das hipóteses arroladas no art. 122, da Lei n.º 8.069/90 – ECA. É descabida a aplicação de tal medida ao menor, sem antecedentes, acusado de prática de ato infracional equiparado a tráfico de entorpecentes, conduta desprovida de qualquer violência ou grave ameaça à pessoa. Habeas corpus concedido.”(HC 25.511, Rel. Min. Vicente Leal, 6.ª. Turma).

Ruy Mugiatti

é juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Foz do Iguaçu e membro do Conselho Técnico e Científico da Associação de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná.

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