Marinho e Maria

Marinho, alto funcionário da Empresa de Correios e Telégrafos, foi filmado embolsando R$ 3.000,00 achacados de um empresário. Era o preço, ou parte do preço, de manipulação de compras e concorrências. Os que pagam propinas são beneficiados e os que não pagam, prejudicados. E, assim, ganham as licitações os que cobram mais caro pelos bens ou serviços vendidos à empresa ou que lhe fornecem coisas de terceira categoria. E perdem os empresários honestos, os que cobram mais barato e os que oferecem bens e serviços adequados às requisições da licitante.

A cena filmada é revoltante. Mas, embora já estejam sendo tomadas providências para que se desenvolva um inquérito policial nos Correios e uma CPI na Câmara, espanta o fato de que o empresário que encomendou a filmagem clandestina que flagrou o achaque esteja sendo objeto de investigações. Aparece depondo aqui e ali e chegou a dizer que nunca mais encomendará filmagens dessa natureza. Dão a impressão de que quem é o criminoso é o empresário, a vítima que teve a coragem de desmascarar a corrupção.

Maria, ou Maria Aparecida de Matos, é empregada doméstica de 24 anos de idade e dois filhos pequenos. Passou um ano e sete dias na cadeia e acaba de ser solta. Foi presa em flagrante por furto. Seu crime: tentou furtar um xampu e um condicionador numa farmácia em São Paulo. Os dois frascos custavam R$ 24,00, dinheiro que ela não tinha, pois é pobre, como a maioria dos que estão na cadeia neste País. Não foi furto famélico, mas há de se considerar a atenuante da natural vaidade feminina.

Só os R$ 3.000,00 achacados e embolsados por Marinho dariam para comprar 125 vidros de xampu e condicionador iguais aos que Maria tentou furtar na farmácia. Ao sair da prisão, ela disse: ?Pensei que jamais iria sair de lá?. E contou que foi torturada, ficando cega de um olho. Acresce que Maria é analfabeta e pobre. Não tinha dinheiro para pagar advogado. Tentou-se que respondesse ao processo em liberdade, mas a Justiça entendeu, talvez por sua ?periculosidade?, que deveria ficar presa. O fato saiu na imprensa nacional.

Comparando os dois casos, logo pensamos em injustiça ou justiça caolha e sentimos indignação. Mais indignação sentiremos ainda e maior se olharmos os casos que envolveram Jader Barbalho, com patrocínio de negociatas de 1,7 bilhão de reais; do ex-governador de Roraima, Neudo Campos, que desviou R$ 300 milhões da folha salarial daquele estado, ficou preso, mas só por dez dias. Está solto e milionário. E tantos outros que aconteceram ou vêm surgindo todos os dias, levando bilhões de dinheiro do povo e não de farmácias.

Se toda a dinheirama da roubalheira que homens públicos promovem neste País fosse transformada em xampus e condicionadores, não estaríamos num mar de lama, mas de cosméticos. E ainda tem gente cheia de pudores, temerosa de que se promovam injustiças denunciando os ricos e poderosos políticos e administradores que são personagens de tantos escândalos. E os pobres injustiçados? E o povo que está sendo escancarada e descaradamente roubado?

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