Marcação de mercado

Ao contrário do que pensam os menos avisados, as turbulências no mercado financeiro brasileiro não resultam exclusivamente de temores e desconfianças de investidores do exterior. Nem da fragilidade efetiva da situação financeira e dos fundamentos econômicos do País, como sustentam oposicionistas. Nem mesmo daquelas razões somadas, mais a especulação que corre solta, fazendo mais ricos alguns e mais pobre a maioria. Essas causas, com seus efeitos, também ocorrem aqui, dentro do Brasil. Para que se tenha uma idéia do tamanho desses temores, os fundos de investimentos, que detêm um terço da dívida do governo traduzida em títulos públicos, perderam desde maio R$ 40 bilhões. Foram saques de investidores, que passaram a desconfiar que o sistema poderia chegar a uma situação de inadimplência, não pagando os quotistas dos fundos. Mais do que isso, ocorreu ainda a interrupção de novos negócios na iniciativa privada, com redução na geração de empregos e eliminação de postos de trabalho. O medo nos fez andar para trás porque os investidores e o crédito fugiram.

O governo acaba de tomar algumas providências analgésicas para minorar os efeitos dessa situação de temores. Tornou mais maleáveis as regras da “marcação de mercado” de títulos, decidida há apenas algumas semanas.

Na verdade, a “marcação” é um sistema de contabilização de títulos aceito em todo o mundo. Um título vale quanto o mercado está disposto a pagar por ele, não importa o seu valor de face. Com a crise, muitos títulos, em especial os de rendimentos pós-fixados, foram desvalorizados. Constantes das carteiras dos fundos, esses títulos, se mantivessem seu valor nominal, passariam a dar rentabilidade fictícia. A “marcação de mercado” lhes dá o valor efetivo. Ou seja, o número que pode ser transformado em dinheiro.

Essas desvalorizações estavam impedindo o governo, emissor de muitos desses títulos, de rolar suas dívidas, colocando no mercado novos papéis. E os investidores passaram a aplicar em dólares, aumentando a cotação da moeda norte-americana, ou em outros ativos. Até em cadernetas de poupança, apesar da baixa rentabilidade. A flexibilização permite que os bancos, administradores de fundos, contabilizem pelo valor de face os títulos que pretendem manter em carteira até o vencimento.

O governo decidiu ainda comprar R$ 11 bilhões em títulos públicos, aqueles que mais se depreciam neste período de instabilidade pré-eleitoral. Para isso, retirou dinheiro dos bancos, através do aumento dos depósitos compulsórios no Banco Central. Assim, recompra os títulos do mercado com dinheiro do próprio mercado. Não se pretende que tais medidas sejam a solução definitiva, mas que pelo menos ajudem a dar fôlego ao governo e a tranqüilizar o mercado. A solução definitiva virá com o próximo governo, se este administrar com responsabilidade. O desastre definitivo também, se houver irresponsabilidade.

O medo desvaloriza os títulos de investimentos. E não existe um divã de psiquiatra tão grande que possa abrigar todo o mercado brasileiro e estrangeiro, mostrando-lhe que o medo é injustificável. Tanto mais quando há brasileiros importantes pregando que, nessa tempestade, mesmo que não se creia em bruxarias, elas existem. Falou-se muito em confisco, quando decidida a “marcação de mercado”. Não houve confisco, mas perdas. E isso o bolso de todos nós sentiu dolorosamente.

Voltar ao topo