Manipulação de dados

Enquanto o governo der um passo à frente e um atrás, ficaremos no mesmo lugar. É preciso avançar, mas temos de reconhecer que certos retrocessos se fazem necessários e o poder público pode reconhecê-los sempre que há unanimidade, ou quase, no repúdio a alguns de seus atos. Foi assim, por exemplo, no triste e injusto espetáculo de recadastramento da Previdência, quando velhinhos e velhinhas, não poucos com sérias dificuldades de locomoção, foram obrigados a enfrentar filas no INSS para provar que estavam vivos. Houve grita geral e o governo recuou. Recuou também agora, quando pretendia impor aos motoristas, na renovação de suas carteiras, um oneroso curso. Acabou aceitando a comprovação de que o motorista conhece as regras de trânsito. A prova basta.

Recuou outras vezes, mas teima em não recuar em sua decisão, exarada em portaria, um documento do baixo clero da pletora de normas em que se escuda e não raro emaranha a nossa burocracia, na qual determina que os resultados das pesquisas do IBGE sejam submetidos primeiro a ele próprio, o governo. E só depois ao público.

Por que o governo precisa saber antes? É certo que não deve tomar conhecimento dessas pesquisas e estudos do respeitável instituto depois da opinião pública. Verdade também que, quando as pesquisas são reveladas, mostram situações que há muito reclamam a intervenção governamental e que, por sua desídia, incompetência ou outro vício, nada fez. Aí, é evidente que a divulgação das pesquisas gera imediata reprovação da opinião pública. Assim, a divulgação por antecipação só ao governo desses trabalhos estatísticos, permite ao governo não consertar o que está errado, mas, se quiser, poderá divulgar de forma errônea, confusa, manipulando números e palavras, ou mesmo mentindo. E a verdade estará, de alguma forma, sendo sonegada.

Houve grita geral contra a tal portaria. E o governo não recuou.

O que fez foi, através do Ministério do Planejamento e do próprio IBGE, divulgar nota negando a possibilidade de manipulação de dados com o uso da estranha portaria. Segundo a nota, a portaria tem como objetivo "organizar o fluxo de informações". E que a revelação antecipada ao governo, para só depois levar os resultados ao público, existe em outros países. E invoca a confiança merecida pelo IBGE.

No final do ano passado, o IBGE foi criticado depois que a Pesquisa de Orçamento Familiar mostrou que o excesso de peso atinge um número maior de brasileiros do que a fome. Lula chegou a dizer que as pessoas tinham vergonha de dizer que passavam fome, a despeito de a pesquisa não registrar a opinião dos entrevistados, mas sim as medidas de peso, altura e dados referentes à alimentação.

Não dá para entender. Por que o governo tem de saber da verdade antes do povo, se afirma que não pode modificá-la?

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