Lord Capone não é invencível

A Polícia Federal anunciou que vai criar comissão para apurar e punir casos de corrupção na Polícia Federal. A princípio o anúncio deveria provocar risos. Como a Polícia Federal se contaminou pela corrupção que cabe a ela investigar? Está contaminada. E admitir é prova de coragem. Anunciar que vai criar mecanismo de assepsia, para depurar a parte purulenta, é demonstração de seriedade.

Se o exemplo fosse seguido, o Judiciário poderia, também, criar mecanismos para garantir que sentenças não sofram em todas as suas instâncias interferências de fatores externos, políticos ou financeiros. A Associação Médica Brasileira ou equivalente poderia criar mecanismos, eficientes, transparentes, para pôr fim ao secular espírito de corpo dominante que dificulta a apuração de casos de erros médicos e acidentes inexplicáveis em hospitais.

As coisas somente andam, nesta categoria, quando assumem a dimensão de escândalo nacional e aí, ninguém quer ser confundido com o vilão. Como os casos em São Paulo do cirurgião que fatiou e dissecou a ex-namorada e a colocou no porta-malas. Ou do pediatra que se filmou molestando sexualmente seus pacientes. Até então, todos eram respeitáveis, apesar de não serem e das evidências.

Se o exemplo for seguido, também poderemos ter regras claras no esporte, principalmente no futebol, e assim o nosso esporte será de melhor qualidade e livre de técnicas inspiradas por economistas de Al Capone. Dos 80 mil advogados em atividade no Rio, 10 mil respondem a processos éticos e disciplinares na OAB. Enfim, sabe-se que há safadeza. E ela sobrevive em clima de impunidade. Quando há rigor com os critérios, rigor em se manter a decência, não há safadeza que resista.

Enfim, por estes precedentes que o País sabe que existem e que passam em brancas nuvens é que a iniciativa da direção da Polícia Federal é exemplar. É como admitisse: temos banda podre. E vamos combatê-la. E quando a Polícia Federal em uma grande blitz em Foz do Iguaçu denominada Operação Sucuri prende por contrabando 22 policiais seus, entre outros, num total de 36 pessoas, é prova de que ela sabe o que está ocorrendo e que pode levar a sério o propósito anunciado. O delegado Ronaldo de Almeida César disse “é com muito desprazer que anunciamos as prisões”. Ele deveria dizer o contrário.

Seria ingênuo acreditar que há corrupção só no Brasil. Ela existe em todos os lugares. Em países mais rigorosos, como a China, os corruptos são condenados à morte e à prisão perpétua. No primeiro caso, com o rigor financeiro de lhes cobrar a bala que lhes tira a vida; e no segundo, sem o direito ao requinte tecnológico que há no Brasil, os telefones celulares nas celas. Seria exagero dizer que talvez por isso a China se desenvolve tão rápido. Mas não seria exagero dizer que enquanto a impunidade prevalecer, não haverá crescimento econômico e social. Por uma simples razão: as irmãs impunidade e corrupção, minam qualquer mandamento estabelecido, qualquer padrão de qualidade, de decência, qualquer seriedade e por isso, qualquer chance de desenvolvimento.

Está certo que o monopólio da safadeza não é brasileiro. Mas temos que nos livrar o mais rápido possível do monopólio da impunidade.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado

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