Londres estava na fila do terror

Um ano e quatro meses atrás, Madri teve seu dia de Nova York e de Londres. O maior atentado já ocorrido na Europa deixou 191 mortos, mais de mil feridos e inúmeras seqüelas. As quase simultâneas explosões de bombas em quatro trens do serviço Cercanias, em 11 de março do ano passado, traumatizaram a Espanha e contribuíram para mudar os destinos do país. Com a prisão dos seis primeiros suspeitos, de origem árabe ficou claro que aquele ato terrorista era uma represália ao fato de o então governo espanhol apoiar a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque. Na época, não faltaram prognósticos. Qual seria o alvo seguinte? Londres ou Roma? Essas cidades são capitais de outros países cujos governantes também assumiram o discurso de George W. Bush.

Barulho intenso de sirenes, ambulâncias correndo, homens e mulheres chorando. O clima de dor tomou conta de Madri, logo cedo.

Aquela quinta-feira de sol, no fim do inverno, tinha tudo para ser feliz. A exemplo do que ocorreu agora em Londres, onde a conquista da sede da Olimpíada-2012 havia sido festejada um dia antes do terror, um fato esportivo animava os madrilenos: na véspera, o Real Madrid, mesmo desfalcado dos brasileiros Ronaldo e Roberto Carlos, tinha derrotado o Bayern de Munique por 1 a 0 no Estádio Santiago Bernabeu, classificando-se para as semifinais da Copa da Europa. Futebol era, portanto, um dos temas preferidos nas conversas dos trabalhadores e dos estudantes da região metropolitana de Madri, que, logo cedo, recorreram às eficientes linhas de trens e metrô para ir ao trabalho ou à escola.

Outro assunto: as eleições nacionais, marcadas para o domingo. De acordo com as pesquisas, o candidato Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP), do primeiro-ministro José Maria Aznar, era o grande favorito contra José Luis Rodriguez Zapatero, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), para suceder Aznar.

As bombas estouraram a partir das 7h39. Dos quatro trens explodidos, todos procedentes de Alcalá de Henares, três estavam chegando a diferentes estações: Atocha, Santa Eugenia e El Pozo. O quarto, ainda na periferia, também tomava o rumo do centro de Madri. O esforço de policiais, médicos, enfermeiros e voluntários para salvar vítimas pôde ser acompanhado por pessoas que, chocadas, diziam acreditar que se tratava de uma nova ação terrorista da organização separatista basca ETA. E foi nessa tese que o primeiro-ministro Aznar insistiu, chegando a telefonar para as redações de jornais que logo lançariam às ruas suas edições extras. "É coisa da ETA", insistiu o dono do poder, a quem não interessava admitir que aquela violência tinha algo a ver com sua decisão de jogar a Espanha na guerra.

As cenas diante da Estação Atocha foram mais dramáticas, por terem acontecido em pleno centro da capital espanhola, a poucos metros do Museu do Prado e da mais característica avenida da cidade, o Paseo de La Castellana. Essa estação tem mais de cem anos e foi reformada para ser o ponto de partida dos modernos trens AVE, que fazem os 500 quilômetros de Madri a Sevilha em apenas duas horas e meia. O local também comporta uma movimentada estação de metrô e uma de trens de subúrbio. O trem explodiu a poucos metros da entrada de Atocha: se a bomba tivesse sido detonada pouco tempo depois, centenas de pessoas da plataforma seriam também atingidas.

Ambulâncias e carros de resgate levavam os feridos para os hospitais, enquanto uma extensa fila de doadores de sangue já era formada na Puerta del Sol. A metrópole parou. O número de mortos ia aumentando no decorrer no dia. Por volta das 11 horas, eram 90. As notícias dos hospitais, entretanto, não recomendavam otimismo: com o agravamento de vários casos, chegou-se ao total de 191 mortes. O Parque Ferial Juan Carlos I, um dos maiores parques de exposições da Europa, situado perto do Aeroporto Barajas, teve o pavilhão 8 improvisado como imenso velório coletivo. Na sexta-feira, mais de 2,4 milhões de madrilenos foram às ruas numa passeata contra a violência.

Manifestações simultâneas nas maiores espanholas somaram 14 milhões de pessoas. O rei Juan Carlos I, abatido, falou à nação, em cadeia de rádio e TV, prometendo que os culpados seriam punidos.

O primeiro punido, três dias depois do atentado, foi José Maria Aznar. Uma vez que a prisão de suspeitos árabes, no sábado dia 13, afastou por completo a hipótese de a ação terrorista ter sido obra da ETA, Aznar recebeu o rótulo de mentiroso. Assim nas eleições de domingo, 14, o povo deu a resposta: o PSOE, do oposicionista Zapatero, teve 10.907.530 votos contra 9.628.201 do PP. Zapatero tomou posse e cumpriu a promessa de retirar as tropas do Iraque.

No Iraque, o conflito continua. A Espanha, segundo país mais visitado do mundo, continuou recebendo turistas e buscando sua vida normal. As investigações sobre as bombas conduzidas por terroristas em mochilas para os trens levaram a outros suspeitos afinal presos, mas, apesar das evidências da Al-Qaeda, a Polícia e o Congresso não chegaram a uma conclusão concreta. Só se percebe que o 11 de março de Madri, dois anos e meio após o 11 de setembro de Nova York, aponta para o 7 de julho de Londres.

Voltar ao topo