Limites de velocidade nas rodovias e A Lei 11.334/2006

Em julho de 2006, o Código de Trânsito foi alterado pela Lei 11.334/2006 que deu nova redação ao art. 218 do diploma de trânsito e, assim, alterou os limites de velocidade para fins de enquadramentos infracionais e de penalidades. A lei, ao mesmo tempo que reduziu os valores das multas de trânsito por excesso de velocidade, também tornou muito mais rígidas as penalidades impostas aos condutores em excesso de velocidade. A intenção do legislador, verificada pela nova leitura do dispositivo e seus incisos, fora a de uniformizar o regramento tomando por base o local viário de cometimento da infração, descartando o critério anterior, que punia mais energicamente o excesso de velocidade perpetrado em rodovias e vias de trânsito rápido, por exemplo. Agora inexiste distinção quanto ao local (via) da infração.
Passou-se a considerar infração média transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias, quando a velocidade for superior à máxima em até 20%; infração grave, quando a velocidade for superior à máxima em mais de 20% (vinte por cento) até 50% (cinqüenta por cento); e infração gravíssima, quando a velocidade for superior à máxima em mais de 50% (cinqüenta por cento).
Porém, passados mais de cinco anos desde a edição da lei, pertinentes algumas reflexões sobre o contexto em que foi inserida, no Código de Trânsito, a partir da verificação da realidade brasileira.
O Código de Trânsito Brasileiro, do ano de 1997, adotou alguns limites de velocidade como referenciais para as hipóteses de inexistência de placas (sinalizações) regulamentadoras. O art. 61, § 1º, do Código de Trânsito dispõe que onde não existir sinalização regulamentadora, a velocidade máxima será, por exemplo, nas rodovias, de 110 (cento e dez) quilômetros por hora para automóveis, camionetas e motocicletas. Muitos dos limites de velocidade têm por parâmetro referenciais adotados pela legislação anterior ao Código de Trânsito atual (qual seja, a Lei nº 5.108, de 21 de setembro de 1966, e suas alterações).
Portanto, percebe-se que os limites de velocidade praticados pela atual legislação possuem como referência patamares da década de 60. Não fosse isso, o próprio Código de Trânsito já possui praticamente 15 (quinze) anos de existência e mantém limites como o acima indicado.
É inegável que a legislação atual demonstra a preocupação social geral com a segurança no trânsito.
Deve-se admitir que, de fato, o excesso de velocidade é um dos principais fatores causadores de acidentes de trânsito, e a lei deve ser rígida, punindo os infratores administrativamente.
Mas, ao mesmo tempo, a nova lei também agravou, demasiadamente, a situação do infrator, ao estabelecer a suspensão do direito de dirigir como uma das sanções cabíveis, principalmente se considerada a realidade da indústria automobilística brasileira e de parte das rodovias federais.
Embora a redação da norma tenha restado confusa após a alteração (art. 218, III, do CTN), tem-se entendido que no caso da infração gravíssima, caracterizada quando a velocidade for superior à máxima em mais de 50% (cinqüenta por cento), restará aplicada a suspensão do direito de dirigir, além de multa correspondente a 3 (três) vezes o montante fixado na lei.
Na verdade, ao que parece o legislador federal ignorou por completo que, nos últimos anos, principalmente nas rodovias federais (e em outras que sofreram processo de privatização da manutenção, mediante contra cobrança de pedágio) houve um implemento da segurança de trânsito, com duplicações e outras melhorias, o que pode ser constatado mediante simples consulta à página do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNIT na internet(1).  
Não bastasse, o avanço tecnológico proporcionou à indústria automobilística a colocação, no mercado brasileiro, de veículos com inúmeros itens novos de segurança, alguns dos quais obrigatórios ou em vias de se tornarem obrigatórios. Atualmente, os veículos novos (mesmo alguns carros populares), rodam com direção hidráulica ou elétrica, freios ABS, computador de borda, dentre outros.
“Alheias a tudo isto e em nome de uma fictícia segurança no trânsito, mas sem perceber que a sociedade automobilística é, inevitavelmente, uma sociedade de risco, nossas autoridades nos obrigam a conviver com os mesmos parâmetros de velocidade máxima praticados nos anos de 1960″(2), constatação já feita pelo Prof. João José Leal, de Santa Catarina.  Ele continua: “Isto faz com que os limites sejam freqüentemente ultrapassados e revela o rigor do CTB que, na contramão da modernidade e do avanço tecnológico, fixa marcos de velocidade máxima extremamente conservadores” (3).
A situação se agrava pela atuação em desvio de finalidade de muitos órgãos de trânsito. Não é preciso muitas digressões para se afirmar que o valor decorrente da imposição de multas de trânsito corresponde a importante fonte de receita aos Cofres Públicos dos diversos entes federativos.
Por isso, não é raro se verificar resistência por parte das autoridades de trânsito em proceder a alterações na limitação de velocidade sinalizados em rodovias em excelentes condições. Exemplo relativamente recente foi a BR 101, no seu trecho norte de Santa Catarina. Por muito tempo mal sinalizada com a limitação de 100 Km/h, atualmente o limite em seus primeiros quilômetros ao norte, entre a Serra e Joinville, foi aumentado para 110 km/h (4).
Referida trecho da rodovia possui, além de acostamento, duas pistas no sentido norte-sul e duas pistas no sentido sul-norte, com vários trechos com separação por barreira de concreto. Outras rodovias, como por exemplo a PR Alexandra-Matinhos (no Paraná), que não possui acostamento, tampouco as demais especificações da BR 101, possui a mesma antiga limitação desta, ou seja, em 100 Km/h. Evidente a diferença de estrutura entre as vias e ausência de razoabilidade na limitação de velocidade da BR 101 no mesmo patamar da paradigma paranaense.
“Sabemos, também, que mais importante para a segurança no trânsito não é somente o estabelecimento formal de um limite máximo permitido, mas, principalmente, a velocidade compatível com as condições da rodovia, do local e do veículo” (5).
A legislação de trânsito deve ser interpretada e aplicada com razoabilidade e a atuação da Administração Pública no exercício do poder de polícia de trânsito deve ser norteada pela busca e concretização do interesse público.
Luís Roberto Barroso, analisando os princípios constitucionais, faz várias considerações sobre a razoabilidade e a proporcionalidade, bases hermenêuticas que devem dirigir o operador do Direito em toda interpretação jurídica, isso como decorrência da due process clause, seja no que diz com seu aspecto formal, seja quanto ao seu aspecto material. Diz ele: “O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça”(6)
Sendo assim, numa interpretação sistemática dos artigos 61, § 1º, II, “a” e 218, ambos do Código de Trânsito, por adoção dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostrar-se-ia inadmissível a aplicação da sanção máxima de suspensão do direito de dirigir a motoristas autuados em rodovias, cujas condições estruturais não justifiquem a opção administrativa pelo estabelecimento de limite de velocidade abaixo dos 110 Km/h a que faz menção o art. 61, § 1º, do diploma de trânsito. Nestes casos, deve a autoridade de trânsito considerar, para fins de aplicação da máxima sanção (apreensão da CNH), o limite estabelecido pelo próprio Código, no mencionado art. 61, § 1º,  II, “a”, sob pena de desvio de finalidade e consequente invalidação da autuação.

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(1) Disponível em http://www.dnit.gov.br/search?SearchableText=melhorias. Acesso em 20.01.2012.
(2) LEAL, João José. Excesso de velocidade e multa de trânsito. Disponível em www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto1128.rtf. Acesso em 20.01.2012.
(3) Ibid.
(4) Disponível em http://www.adjorisc.com.br/jornais/opopular/on-line/transito/limite-de-velocidade-no-trecho-norte-da-br-101-em-santa-catarina-pode-aumentar-para-110-km-h-1.832597. Acesso em 20.01.2012.
( 5) LEAL, Op. cit.
(6) BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204.

Carlos Eduardo Ferla Correa é Advogado e Especialista de Direito Tributário.

 

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