Júri e o conceito de Justiça Popular

Nenhum instituto jurídico é tão conhecido do leigo, nem o sensibiliza tanto, quanto o Tribunal Popular do Júri. Desde a sua origem inglesa, em 1215, o Júri sempre foi visto como uma Instituição de natureza democrática e isto é verdadeiro. Também é verdadeiro que a sua história esteve sempre envolvida por uma áurea de misticismo e de magia. Isto significa que o povo sempre espera do Júri um veredicto de natureza transcendental, uma decisão que ultrapasse a dimensão de uma justiça simplesmente humana e que se projete no plano do fantástico e do surrealismo.

Os processos do Júri não representam sequer 1% dos serviços judiciários. Mesmo assim, poucas são as pessoas alheias à vida forense que conhecem o que seja uma tutela, um seqüestro ou um processo-crime do Juízo Singular.

Mas o povo só conhece – ou pensa conhecer – o Júri. E, se é por meio deste que a Sociedade julga os seus criminosos homicidas, pode-se dizer, também, que é com base no Júri que a comunidade julga a Justiça. Com isto queremos dizer que o conceito popular de Justiça é elaborado a partir do que as pessoas presenciam no Tribunal do Júri. Daí a imagem solene, pomposa, demagógica e, paradoxalmente, impopular que o povo tem dessa Instituição jurisdicional.

Dizemos impopular porque, na grande maioria, são pobres ou marginalizadas as pessoas submetidas ao julgamento pelo Tribunal do Júri. São geralmente pessoas simples (trabalhadores em geral, desempregados e, principalmente, excluídos sociais), que serão julgadas pela elite econômico-social da comunidade em que vivem. Na realidade, o corpo de jurados de qualquer comarca, composto de, no mínimo, 80 cidadãos para as comarcas menores e de 300 para as comarcas com mais de 100 mil habitantes (art.439, do CPP), é constituído de pessoas mais esclarecidas.

São os liberais, os empresários, os comerciantes e os funcionários públicos ou privados mais graduados que integram o corpo de jurados. Destes, e por sorteio, sete serão chamados a integrar o Conselho de Sentença de uma reunião de julgamento. Indiscutivelmente e, como regra, tais cidadãos desfrutam de um padrão de vida econômica, social e cultural bastante distinto daquele que estará sendo julgado.

Do Júri, vem também a imagem de pompa que o leigo tem da Justiça brasileira. Assistindo a um julgamento do qual tomam parte um Promotor de Justiça, não raro, vários advogados e um juiz togado, todos portando a medievalesca veste talar e, ainda, um Conselho de Sentença integrado por sete pessoas, é fácil compreender que o povo encare a Justiça como instituição pomposa e exageradamente cerimoniosa.

Pela imagem que o povo faz do Júri, paga a Justiça um imerecido tributo. Para o leigo, que vê unicamente a imagem de uma Justiça imponente, solene e com uma certa áurea de magia e de poder transcendental, é incompreensível que venha ela a aplicar o direito com tanta demora ou, principalmente, a cometer qualquer espécie de deslize ou de equívoco. Sem dúvida, o Tribunal do Júri contribui para que a Sociedade encare a Justiça como uma instituição demasiadamente morosa. É claro que a morosidade não ocorre apenas em relação aos processos de competência do Júri.

Na verdade, se a nossa Justiça julgasse, com celeridade, os demais processos cíveis e criminais, seríamos um povo feliz quanto ao desempenho da função jurisdicional. Mas esta felicidade político-jurídica, lamentavelmente, estamos longe de alcançá-la. É um verdadeiro sonho que a recente Reforma do Judiciário(?) – que não trouxe consigo o indispensável instrumental para a efetiva mudança e inovação – infelizmente, não vai concretizar.

Por isso, é preciso reconhecer que o processo criminal da competência do Tribunal do Júri é, apenas, mais um componente dessa complexa e hermética engrenagem de morosidade em que consiste a Justiça. Porém, o processo do Júri, em termos de morosidade, afronta não só o bom senso e a lógica jurídica. A meu ver, ultrapassa o limite do absurdo se este possui algum limite.

Todos sabemos que o Júri Popular somente se reúne ao final de um processo demasiadamente lento, quando já se passaram meses e, com freqüência, mais de ano da data do crime. Desde a prática deste (geralmente um homicídio doloso), até a sentença final, há todo um longo e tortuoso procedimento. Somente após a realização de uma pesada e repetitiva instrução criminal é que o acusado será submetido ao veredicto do Júri Popular, onde muitos dos atos processuais, mais uma vez, serão retomados.

Na fase dos debates, os longos discursos travados nem sempre fundamentam-se na lei e nos princípios da Ciência Penal. Na linguagem do Júri, têm sido comum os discursos meramente formais, retóricos, apoteóticos, visando impressionar os jurados e colher decisões ditadas pela emoção, que somente a psicanálise freudiana pode explicar. Em muitos casos, o discurso no Júri chega à esfera do demagógico e este fato tem contribuído para imagem negativa que o leigo faz da Justiça Criminal.

João José Leal é professor do CPCJ/Univali. Ex-procurador geral de Justiça e promotor de Justiça aposentado.

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