Rodrigo Moreno Paz Barreto

Inventário e excesso de normas tributárias

Devido à burocracia e ao número excessivo de normas, o Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) pode trazer dúvidas quanto à sua aplicação, podendo se tornar num verdadeiro entrave para o desfecho definitivo do inventário ou arrolamento.

É certo que esses conflitos entre contribuintes e o Fisco, além do excesso de normas, também são oriundos da arbitrariedade do poder público, especificamente da administração tributária.

A Constituição Federal, em sua soberania, confere aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o ITCMD (conforme artigo 155), restando a estes a responsabilidade pela instituição das normas afetas a referido imposto.

O artigo 1.031 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que a quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas deverá ser comprovada, sendo que o parágrafo 2.º desse artigo determina, como regra, que os tributos devidos devem ser pagos antes da expedição do formal de partilha. Em todo esse procedimento, deve ser observado o disposto nos artigos 1.032 a 1.035 do CPC.

Embora muitos utilizem esse dispositivo como fundamentação para negar a expedição de alvará ou mesmo do formal de partilha, tal argumento não procede. A exigência prevista no artigo 1.031 do Código de Processo Civil deve ser feita pelo juiz, no curso do processo, e diz respeito aos bens do espólio, ou seja, não pode a Fazenda do Estado interferir no regular andamento do processo, haja vista a legislação estabelecer que qualquer discordância deverá ser discutida em procedimento próprio e adequado, diverso do arrolamento ou inventário. Ademais, o ITCMD é imposto que incide sobre a herança e não sobre o espólio.

Além de não ser o processo de inventário o meio adequado para o Fisco manifestar sua discordância com os cálculos apresentados ou requisitar a apresentação de determinados documentos, qualquer ato da Fazenda Pública contrário às declarações e pagamentos apresentados pelo inventariante constituirá um verdadeiro entrave ao regular andamento do feito, pelo fato dessas discussões administrativas serem estranhas ao processo.

Esse vem sendo o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo em vista que a Fazenda do Estado tem meios próprios para a cobrança de eventuais diferenças entre lançamentos e pagamentos.

Nas relações entre Fazenda Pública e herdeiros, não podem ser esquecidas as disposições gerais previstas no Código Tributário Nacional (CTN), que prevê meios dessa lide não prejudicar o andamento do processo de inventário.

O Fisco Estadual deverá se valer do lançamento para constituir o crédito tributário, onde deverá apontar a ocorrência do fato gerador, discriminar o valor do tributo devido, identificar o sujeito passivo e aplicar a penalidade cabível.

Portanto, o expediente correto a ser utilizado pela Administração Pública é o lançamento, oferecendo ao sujeito passivo a possibilidade de se defender, em homenagem às garantias constitucionais do devido processo legal.

Urge esclarecer que o espólio não é sujeito passivo da obrigação tributária, razão pela qual não poderá o Fisco insurgir-se nos autos do inventário ou arrolamento, sob pena de incorrer em flagrante ilegitimidade passiva.

Após o seu término, mantida a exação, e respeitada a estrita via administrativa, a cobrança deverá prosseguir com a devida inscrição em dívida ativa e posterior ajuizamento de execução fiscal, meio adequado para satisfação do crédito tributário.

No Estado de São Paulo, com a apresentação da declaração do ITCMD, o demonstrativo de cálculo é gerado individualmente para cada herdeiro, ou seja, a própria Fazenda do Estado gera as guias para o recolhimento do tributo individualmente. É um procedimento totalmente correto, eis que os herdeiros são responsáveis tributários pelas suas respectivas partes.

Na existência de mais de um herdeiro, quando um destes deixar de recolher o imposto causa mortis, tornando-se assim inadimplente junto à Fazenda do Estado, mais uma vez surgirá um enorme obstáculo para o regular prosseguimento do inventário ou arrolamento.

O Fisco não poderá reclamar tal obrigação no processo de inventário, pelos motivos acima abordados, e da mesma maneira não poderá ficar o processo parado até que seja regularizada a situação fiscal do herdeiro inadimplente.

Nesse caso, havendo montante em dinheiro para esse herdeiro inadimplente receber de herança, é prudente que também se faça o depósito ou a reserva desse dinheiro em favor da Fazenda do Estado, o que também não trará prejuízo algum às partes.

Caso não seja possível garantir o futuro recolhimento do tributo, a Fazenda deverá ingressar com a medida cabível em procedimento próprio adverso do inventário para cobrar o seu crédito tributário.

No que diz respeito às obrigações acessórias do imposto causa mortis, uma vez cumprida a obrigação principal – qual seja, o pagamento integral do tributo – tal feito não poderá interferir no andamento do processo de inventário.

O processo de inventário não pode sofrer qualquer interferência em função dos conflitos existentes entre herdeiros e a Fazenda do Estado. O bom senso deve prevalecer e todos os envolvidos na relação jurídica devem buscar a melhor solução legal.

Rodrigo Moreno Paz Barreto é advogado tributarista.
rodrigo.moreno@vbb.adv.br

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