Imunidade e safadeza

Lula e Alckmin fazem uma campanha com luvas macias. Mas não são de pelica, são de boxe, embora cada um declare que não vai provocar o adversário e que fará sua propaganda em alto estilo, como um jogo de salão. Quase diariamente, entretanto, tiram as luvas e lá vão safanões de um lado e de outro. É difícil comentar essa disputa pela Presidência da República, o primeiro desejando mais um mandato e o segundo querendo tomar-lhe o lugar, porque se entende habilitado, uma vez que foi governador de São Paulo, a locomotiva que puxa os demais estados. É o que prega o orgulho, quem sabe justificável, dos paulistas.

Vez ou outra, no entanto, surge alguma coisa na ponta do anzol do observador, que merece ser puxada, ou pelo menos sacudir a bóia. Foi o que aconteceu na semana passada. Alckmin disse que Lula é antiético. Dizer é de somenos. Ser comprovadamente é que seria relevante. O candidato oposicionista estava respondendo a uma declaração feita pelo candidato à re-eleição. O importante mesmo desse entrevero foi a afirmação de Lula, contestada por Alckmin, de que a imunidade parlamentar é ?uma safadeza?. Aí está um tema, tratado como penduricalho neste episódio do debate sucessório, que vale aprofundar e sobre ele refletir.

Alckmin é favorável à imunidade porque, no exercício do mandato, o parlamentar precisa ter os instrumentos para poder exercer o seu papel. Para ele, é um equívoco o presidente não levar a sério a questão ética. Os contendores têm posições opostas sobre a imunidade parlamentar: o presidente Lula contra e Alckmin a favor. Nenhum argumentou para convencer e muito menos para vencer.

Temos para nós que, a estas alturas dos acontecimentos, ainda durante uma campanha eleitoral, não se deve levar muito a sério o que sobre imunidade parlamentar diz cada candidato. O eleito, seja lá quem for, se sofrer uma oposição atrevida dos membros do Congresso Nacional, será contra a imunidade, não importa como sobre o assunto tenha se posicionado na campanha. Desejará instrumentos e facilidades para processar os que o acusam. Terá nos processos a oportunidade de mostrar à opinião pública que acha que tem razão, que é inocente e injustamente atacado.

Quem perder a eleição presidencial, figurando na minoria parlamentar, preferirá a imunidade como blindagem para que o governo não possa atingi-lo. E situações diversas e até inversas poderão ocorrer. A imunidade tem sido usada como indulgência plena para quem é parlamentar. Deputado e senador podem tudo. A realidade tem mostrado que podem até participar do crime organizado, fazer negociatas, maracutaias e coisas piores, se é que existem. Tudo como se fossem legítimas atividades parlamentares.

A imunidade parlamentar não é uma safadeza, como diz Lula, nem um instrumento tão facilmente defensável, como faz pensar Alckmin. A imunidade admissível, não safada, seria aquela que não inocenta nem afasta de processos quem comete crimes que nada têm a ver com os mandatos dados nas urnas pelo povo. Discursar dizendo que o presidente é ruim ou mesmo acusando-o de coisas gravíssimas, desde que provando, deve ser permitido e ocorrer ao abrigo da imunidade parlamentar. Roubar o povo, como no caso da máfia dos sanguessugas, dos mensalões e coisas que tal, é impossível aceitar que se trate de legítima atividade parlamentar abrigada por imunidade. São crimes mesmo e o fato de terem sido praticados por deputados e senadores deveria ser agravante e não condição de procrastinação de pena ou impunidade.

Acontece que quem decide sobre qual a imunidade parlamentar legítima e qual a que é safadeza não é o presidente da República. Não serão nem Alckmin, nem Lula, nem Heloísa Helena ou algum dos desconhecidos que disputam a Presidência da República. Quem decide sobre o que é, quando e como se aplica a imunidade são os próprios parlamentares. E corvo não come corvo.

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