Impeachment e golpe

O presidente Lula trouxe à baila o assunto ?golpe?. Seria a tentativa das oposições, ou de segmentos dela, propor o impeachment do chefe da nação. Vale nessa democracia em processo de consolidação o debate sobre o tema. E que fique no plano teórico, salvo surjam efetivos indícios de que se tenta interromper o mandato presidencial, o que preferimos acreditar não ocorrerá. Esse debate tem importância porque o esclarecimento da nação contribui para a consolidação democrática, já que é dela que o sistema nasce, via eleições que geram os mandatos políticos.

O voto pode ser comparado com o instrumento de mandato, vulgarmente conhecido como procuração. Aquele documento em que uma ou mais pessoas delegam poderes a outra ou outras. As procurações se traduzem por esses instrumentos de mandato ou documentos que as explicitam. As mais comuns são as procurações que se outorgam a advogados.

O voto é um instrumento de mandato e é através dele que se elegem chefes de executivos e parlamentares. O voto não é um salvo-conduto através do qual o mandatário pode fazer o que bem entenda e pelo tempo que quiser. Na democracia, ele terá de cingir-se aos limites constitucionais e legais. E, quando no exercício de mandato executivo, atentar para a harmonia e independência dos poderes. Assim, Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e a harmonia se dá pela obediência às leis que são elaboradas e aprovadas pelo Legislativo e fiscalizadas pelo Judiciário. Pode-se dizer que o principal dos poderes é o Legislativo, pois é ele que faz as leis, fiscaliza o Executivo e aprova o orçamento, dentre outras funções da maior relevância. O Judiciário tem o papel essencial de dirimir questões que se apresentem, inclusive entre pessoas físicas e jurídicas, públicas ou privadas.

Entendido que o eleito, mandatário, não pode tudo, obrigando-se aos limites da procuração que o povo lhe outorgou via eleições, é indiscutível que quando um chefe de Executivo age ilegal e exorbitantemente, pode ter o seu mandato interrompido. Aí, o instrumento constitucional e indubitavelmente democrático é o impeachment, que interrompe seu mandato.

Não existisse o impeachment, o mandato seria uma procuração assinada em branco, para que o mandatário fizesse o que bem entendesse. Assim, não se há de confundir o impeachment com o golpe, que é a tomada do poder pela força, seja ele dado por quem já exerce o mandato, quando se atribui arbitrariamente poderes que não lhe foram delegados e nem a Carta Magna ou as leis legitimam, ou por grupos que estão fora do poder. Em geral, os chefes de Executivo golpistas fecham ou intervêm no Legislativo e no Judiciário. Os que dão golpes de Estado estando fora dos cargos executivos, usam em geral a força das armas ou seu respaldo. Já tivemos no Brasil os dois tipos de golpe. Getúlio Vargas, por exemplo, deu um golpe de Estado quando estava na Presidência da República. Grupos políticos civis e as forças armadas derrubaram João Goulart da Presidência, em abril de 1964, e instalaram um regime de força que durou duas décadas.

O impeachment é, pois, o inverso do golpe. É da essência da democracia, pois funciona como instrumento legal para impedir o abuso no exercício do poder. Não admiti-lo, isto sim, é golpe!

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