Wilson J. Comel

Honorários de advogado e o parágrafo 4.º do art. 20 do CPC

1. INTRODUÇÃO

Quaestio facti et iuris: “Julgada improcedente a ação não há condenação, sendo perfeitamente cabível fixação dos honorários advocatícios em percentagem sobre o valor da causa”(1).

Não é pacífica, ainda, a questão da fixação dos honorários de advogado nas causas de natureza patrimonial (não de pequeno valor) em que não houver condenação, quantificando-se a sucumbência, em geral, pelo § 4.º do art. 20 do Código de Processo Civil(2)/(3).

Ainda que o juiz, na fixação, deva tomar em consideração o grau de zelo profissional, o lugar da prestação de serviço, como a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, fica ela ao seu arbítrio,(4) que muitas vezes se traduz numa remuneração incondizente com o trabalho e a responsabilidade profissional, quando não irrisória, notadamente quando a litiscontestatio versa interesse patrimonial considerável.

Aliás, essas fixações são, até, aleatórias e na medida em que não vêm concretamente fundamentadas, já que se fundamentam(?) tão somente na transcrição das referências legais, id est, na menção do texto legal (letras a), b) e c) do parágrafo 3º do art. 20 do CPC), nada mais, sem a adjetivação necessária. Referências vazias de conteúdo.

A indagação que se faz, portanto, é: até que ponto o juiz tem livre arbítrio nessa fixação e até que ponto o parágrafo 3.º do citado dispositivo processual interfere ou não no parágrafo 4.º para efeitos de se adotar os limites nesse outro estabelecido, quando a questão deduzida em juízo tem alcance patrimonial definido ou definível.

2. INAPLICABILIDADE DO PARAGRAFO 4.º

Pois bem, a aplicação do parágrafo 4.º do art. 20 do CPC, na hipótese versada, não pode resultar do arbítrio do juiz, já que, por ser norma abstrata, deve o juiz torná-la concreta, id est, deve discriminar no processo real quais os adjetivos do zelo profissional, os percalços da prestação do serviço, qual maior ou menor relevância da causa, etc.

Quando se trata de interesse patrimonial que não seja de pequeno valor, não cabe a estrita ou literal aplicação do multicitado parágrafo 4.º, senão com inter-relação do parágrafo 3.º, como se pretende demonstrar, infra.

Com efeito, é de desavisado entendimento e equívoca percepção do julgador,  e porque não teria havido condenação, a opção pela regra em referência, disso resultando em fixações desarrazoadas, quando, como dito, não fundamentadas.

Em verdade, quando o interesse em jogo é de estrita natureza patrimonial, como, v. g., na improcedência dos embargos à execução, na improcedência de ação de responsabilidade civil, etc, há, no fundo, condenação lato sensu. No primeiro caso, confirmou-se a execução, manteve-se-a em sua inteireza, expurgada, já agora, dos vícios ou deficiências que pudesse conter; no segundo caso, pôs-se a salvo o patrimônio do réu pelo quantum da pretensão do autor.

Com a improcedência dos embargos, o embargante não é condenado, mas está condenado (constrito) no valor da execução. Por questões semânticas não se pode fugir dessa compreensão.

Aliás, sob este aspecto, já se pronunciou o STF, tendo como Relator o Ministro SOAREZ MUNHOZ (RTJ 105/743), no sentido de que “A improcedência dos embargos importa em condenação do devedor no total da dívida”.

Mutatis mutandis… na responsabilidade civil o autor decai da pretensão indenizatória, deixando incólume o patrimônio do réu, devendo arcar com o prejuízo sofrido.

E por aí afora, na ação de cobrança de dívida, de resolução contratual, de consignação em pagamento, etc(5).

3. PRINCIPIO DA ISONOMIA

A não ser assim poderá haver afronta ao princípio da isonomia(6).

O princípio constitucional da isonomia assegura a todos o mesmo tratamento fático-jurídico. Repugna, sob essa égide, dois pesos e duas medidas.

Por sinal, o art. 125 do CPC, em seu inciso I, prescreve o dever do juiz de assegurar às partes igualdade de tratamento, inclusive no tocante à sucumbência das partes.

Disso resulta que, tanto no caso do parágrafo 3.º quanto do parágrafo 4.º do sobredito art. 20, a fixação dos honorários de advogado deve ter em conta a) o grau de zelo profissional; b) o lugar da prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, de modo que não se compreende que a fixação possa diferir pela circunstância de ter havido ou não condenação e, nesta hipótese, simplesmente desconsiderar os limites de 10% e 20%, nesta última hipótese.

Haveria, nesse tratamento diferenciado, além do mais, séria e incontornável desigualdade de tratamento, na medida em que o autor escolhe o campo de batalha e as armas, ao qual e às quais, salvo reconvenção, se deve ater o réu.

Pode ocorrer, inclusive, à luz de casos concretos, que tenha havido,  da parte embargada ou da parte ré maior zelo profissional na prestação do serviço e em lugar diverso de seu domicílio profissional em relação ao ex adverso, exigindo-lhe, inclusive, mais estudo e extrema cautela diante da importância da causa, sem se esquecer que o prazo de defesa não é de eleição, como sóe ser, em regra, o do autor para residir em juízo.

Ademais, salvo a pressão prescricional ou decadencial ou a observância de prazo curto (ex: sustação de protesto), o autor tem largo tempo para trazer o réu a juízo, sem maiores consequências pela demora (ex: responsabilidade civil).

O réu não. Seu prazo é exíguo e sua omissão pode acarretar resultados catastróficos ao cliente (revelia, confissão ficta…). Prazo exíguo para preparar a defesa e na arena eleita pelo  autor, manifestando-se minuciosamente sobre os fatos narrados no libelo inicial (art. 302 do CPC), sob pena de incontroversabilidade do alegado pelo adversário (estabilidade objetiva do processo), enquanto o autor, por sua vez, pode deduzir, embora em outra ação, pedido que esquecera de formular.

Isso leva à necessária conclusão de que ao réu “vencedor” na causa tida como improcedente se deve dar os honorários, que obteria o autor se bem sucedido na pretensão, senão mais em algumas circunstâncias.

Além disso, torna-se necessário que a imposição da verba advocatícia, sob o aspecto moral, seja sensível ao sucumbente, para que se lhe incuta o respeito pela Lei, pelo Direito e pela Justiça.

O 1.º TACivSP (in RT 600/129), pelo voto vencedor do juiz ROQUE KOMATSU, entendeu por despicienda a discussão entre “valor da condenação” e da expressão “das causas onde não houver condenação”, mais a gosto dos literalistas legais, pois:

“É que deve prevalecer o princípio da isonomia no processo, ou seja, uma igualdade formal.

Impõe-se que o juiz dê ao réu, a mesma honorária que daria ao autor, se este fosse o vencedor”(7).

Em seu voto louva-se no argumento de ARRUDA ALVIM e outros ao lembrar que o art. 21 do CPC determina, em caso de sucumbência recíproca, a repartição proporcional dos honorários e devidamente compensados, hipótese, diante da qual, seria absurdo imaginar que o autor, por vencer em parte, tenha, quanto a esta parte, direito de 10% a 20% de honorários, enquanto o réu, também vencedor em parte, mas porque não houve, a seu respeito, condenação, tenha tratamento diverso do dispensado ao autor, porque a este a aplicação do parágrafo 3º, com a flexibilidade que lhe é própria, e a esse outro a simples aplicação do parágrafo 4.º do art. 20.

É, a meu ver, de lógica irrefutável.

4. INCIDÊNCIA DO PARÁGRAFO 3º, COM OU SEM CONDENAÇÃO

Pelo exposto, não pode restar dúvida de que, tanto à luz do parágrafo 4.º quanto do 3.º do art. 20 do CPC, não pode o juiz desconhecer o balizamento  dos percentuais de 10% e 20% sobre o valor do interesse perseguido pelo autor, consubstanciado, em regra, pelo valor dado à causa, uma vez não impugnado de modo tempestivo e pertinente.

Busca-se sustento desse ponto-de-vista em voto do Ministro DÉCIO MIRANDA(8) ao salientar que a exgese do parágrafo 3.º não importa literalidade:

“A lei se refere a condenação que houve, quando a ação é julgada procedente, ou que haveria, quando acolhida a improcedência”.

E, mais:

“Prevalece, para fixação de honorários, tanto o valor da condenação que se pede quanto o da condenação que se impede”

Dessa forma, a apreciação equitativa do juiz não é de mera potestatividade, mas juízo fundamentado segundo os princípios e as regras de direito positivo, – cuja ratio legis vai além do in claris cessat interpretatio – que norteiam e objetivam a fixação dos honorários de advogado da parte autora ou da parte ré, indistintamente, diante da sucumbência processual.

A questão, a propósito, vem dirimida no anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil em curso perante o legislativo federal pela abrangência do art. 77, caput, ao dispor que os honorários serão pagos ao advogado vencedor e de conformidade com o § 2.º, ipsis litteris:

“Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica obtidos, conforme o caso”.

Não há, no anteprojeto, qualquer referência a honorários em ações em que não houver condenação.

Até lá (até quando?) vamos navegando nas águas procelosas da jurisprudência com os remos de uma doutrina equitativa.

Notas:

(1) STJ, REsp. 5664-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 10/06/91.

(2) “Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e não execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo anterior”.

(3) A respeito não se encontram referências mais específicas: CELSO AGRÍCOLA BARBI (in Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, SP, l975, 1.ª ed., vol. I, tomo I, p. 196; PONTES DE MIRANDA (in Comentários ao CPC, Forense, RJ, 1973, tomo I, p. 419/420); HELIO TORNAGHI  chega a afirmar que “os limites de 10% a 20% fixados no § 3.º, não se aplicam nos casos do § 4.º” referindo-se às hipóteses neste elencadas, omitindo, entretanto, referencia a de não haver condenação (in Comentários ao Código de processo Civil, ed. RT, SP, 1976, 2.ª ed., p. 170; NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY (in CPC Comentado, ed. RT, 4.ª ed., 1999, p. 435 não mencionam os percentuais do § 3.º, tão somente as alíneas como critérios de fixação dos honorários quando não houver condenação.

(4) Resolução que depende só da vontade.

(5) Embora outras: ações constitutivas, declaratórias não resultam em sentenças condenatórias (TJPR, in RT799/351), mas, de qualquer forma, quantificam-se no valor dado à causa (art. 286, CPC).

(6) Princípio pelo qual todos são iguais perante a lei (art. 5º da CF).

(7) Idem, RT 608/116.

(8) STF, in RT 555/248).

Wilson J. Comel é advogado, ex-conselheiro Estadual da OAB/PR e professor titular aposentado da UEPG.

Voltar ao topo