Homenagem aos nossos pais e da democracia

A aproximação do dia dos pais me trouxe um desejo antigo, de fazer uma reflexão sobre os pais e mães da minha geração e da geração anterior à minha que lutou pela democracia. Pais que nasceram entre os anos de 1900 até 1950 aproximadamente. Pais na sua grande maioria descendentes de imigrantes que tiveram a dura vida de recomeçar em solo diferente do nascido. Pais do período das guerras. Do período da guerra fria.

Pais dos tempos em que um Marechal derrotou a campanha civilista de Rui Barbosa e devolve o poder aos militares, da revolta da Chibata e do Contestado, do monge João Maria, que virou santo cultuado, inclusive por minha mãe, que tinha a foto dele num porta retrato. Pais que viveram no período do fim da política das oligarquias Café com Leite, da revolta do Forte de Copacabana, da coluna Prestes, do período de Getúlio Vargas, onde lutaram junto pelas leis trabalhistas, pela reforma agrária, pela lei eleitoral, para as mulheres votarem, pais que lutaram pelo “petróleo é nosso”, pela siderurgia, pela industrialização de nosso país, que viram os pracinhas irem para a guerra e choraram por Getúlio Vargas ao se suicidar para garantir o projeto nacional. Pais que lutaram pela Constituição de 1.946, que li quando adolescente naquele formato de livro de bolso popular, sustentáculo da vida democrática que durou um período de quase 20 anos. Mas que não puderam ver os projetos das reformas de base previstos nela serem implantados, porque o arbítrio impediu, mantendo o sistema de concentração da renda, da terra e da riqueza até os nossos dias.

Eram pais que sofreram com o assassinato dos irmãos Kennedys e de Martin Luther King pelos reacionários, o que trouxe desqualificação da política americana e do mundo. Pais que foram contra a guerra do Vietnã e pela paz, eternizadas nas músicas e nas guitarras que adoro escutar do Dire Straits, Bruce Springsteen e na voz fantástica de Joe Cocker cantando a musica dos Beatles “With A Little Help From My Friends”.

Pais que souberam de forma deturpada da morte de Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison, por não agüentarem a falta de liberdade do macarthismo, que desqualificou a cultura forjando dossiês com o incentivo a prática do dedodurismo, nos impondo a supremacia do lixo cultural até os nossos dias através dos meios de comunicação de massa, conquistados através de concessões públicas duvidosas e sem contrapartida para com a sociedade. Pais que com seus filhos tiveram suas vidas interrompidas e marcadas com seqüelas para sempre. Pais do período em que a infra-estrutura, a ciência, a tecnologia e a velocidade da informação viviam em outros padrões e que a democracia ainda começava a engatinhar na humanidade, mas que foi ceifada pelo arbítrio. A democracia e a vida dos democratas e dos liberais democratas.

Neste momento lembro do Moacyr Reis Ferraz, vereador cassado por ser do PCB, eleito junto com meu pai João Seratiuk em Campo Mourão, e com quem militei no Comitê Brasileiro pela Anistia em Curitiba. Homens que como outros tiveram suas vidas interrompidas naqueles tempos de intolerância e perseguição. E que se isso não tivesse acontecido não estaríamos vivendo com tamanha concentração da renda, terra e riqueza e seu subproduto a desqualificação, a mediocridade e a barbárie, que o arbítrio nos deixou de herança no lugar daquela geração de democratas e liberais democratas formada na vigência da Constituição de 46, que foi rasgada. E quando se rasgou uma Constituição que foi obra coletiva, afastou e se assassinou democratas, se jogou fora os longos anos de formação e preparo de vivência democrática. Se jogou fora o capital humano democrático. E por isso temos um déficit de qualificação política, na cultura e em tantas atividades, pois foi esta a herança deixada pelo arbítrio, aqui e no mundo.

E pensar nestes pais, fruto deste meio e desta história os eleva por terem tido o espírito acima do seu tempo lutando, permitido e incentivado seus filhos a lutar contra o arbítrio e as ditaduras em favor da liberdade política, cultural e humana. Aí a gente que se acha moderno e av,ançado, ao pensar na conduta deles conclui: modernos e avançados para o seu tempo eram os nossos pais. Pois foram os pais da democracia, que lutaram e ensinaram seus filhos a lutar pela democracia, mesmo sofrendo a ausência pela prisão, exílio e mesmo morte, e por terem suas vidas interrompidas o que levou a alguns morrer antes do tempo, pelo sofrimento.

E por isso, rendo homenagem a todos os nossos pais, pois se muito se escreveu e se editou sobre luta pela democracia feita pelas nossas gerações, devemos ressaltar a importância histórica daqueles pais que tiveram sua formação em períodos difíceis e fechados da humanidade, mas que possibilitaram estarmos aqui hoje vivendo a democracia e quiçá deixá-la de herança para nossos filhos e netos, como eles fizeram. Pais que independente de suas concepções religiosas, filosóficas, ideológicas e políticas permitiram e defenderam o direito de opinião democrática.por isso, ao relembrar e homenagear eles no ano em que a Constituição de 1988 faz 20 anos, afirmo: que privilégio termos sido filhos daqueles pais e que pena alguns deles não terem conseguido esperar para ver e viver junto com a gente a sua obra que foi a da democracia se reinstalar em nosso país e em grande parte da humanidade, e aos poucos vermos emergir a preocupação com os direitos humanos, culturais e sociais de toda a sociedade que eles tanto defenderam.

Geraldo Serathiuk é advogado.

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