Homem sem pecado

Políticos que foram aos funerais do papa João Paulo II tinham muita fé, principalmente nos dividendos políticos que poderão colher de sua manifestação de religiosidade e respeito ao chefe da Igreja Católica. Até George Bush, que nos últimos tempos mais parece ter um pacto com o diabo, além de outros chefes de Estado. Não podemos nos esquecer, entretanto, que aos funerais do papa também compareceram chefes de outras igrejas, cristãs muitas e algumas de outros credos, o que comprova o merecido prestígio do primeiro polonês a chefiar a Igreja. E por quase 27 anos.

Não nos cabe, ou mesmo interessa, analisar as razões de outras autoridades para essa ostentatória presença nos dias de luto vividos no Vaticano. Muitos manifestaram sincero pesar e respeito pela figura do grande líder religioso que o mundo perdeu. Interessa-nos mais de perto examinar a participação dos brasileiros liderados pelo presidente Lula, que compôs um grupo de peregrinos política e religiosamente ecumênico. Com ele viajaram dona Marisa e mais os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados, seu hoje adversário e até inimigo político, o presidente do Senado, aliado às meias; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre diplomata e gentil com seu sucessor, mas que largou farpas dizendo que Lula erra demais; o ex-presidente José Sarney, um situacionista que com o governo petista fez uma aliança estranha, e mais líderes religiosos dos mais variados credos, inclusive uma mãe-de-santo que perdeu o vôo e, assim, privou o corpo do papa duma encomenda na base do candomblé.

Com essa trupe, ficou indubitável o desejo de Lula de tirar dividendos políticos de seu comparecimento aos funerais do papa. Como outros líderes políticos mundiais foram movidos pelo mesmo caridoso desejo de granjear simpatias, alianças e votos, entendamos que Lula não agiu erradamente. Mas agiu de forma preocupante.

Sentando-se na primeira fila, à qual tinha direito, pois preside o maior país católico das Américas, comungou antes do sepultamento. Justificando-se diante da imprensa, disse e não precisa provar que é católico. Mas à pergunta embaraçosa sobre se confessou antes, o que é necessário para que se possa receber a hóstia, foi nada modesto. Declarou simplesmente que é um homem sem pecados. O próprio papa nunca ousou dizer que era um homem sem pecados.

Uma bola-fora ou uma pretensão?

Se pretensão, explicam-se os milagres de desenvolvimento e progresso social que promete como maná que vai chover do céu… E isso quando o petróleo está com preços nas alturas, a inflação volta a crescer, o dólar a cair, para desgosto dos exportadores, há seca frustrando a safra e o desemprego não se reduz. Melhor que admita que é um homem que pode errar e, com os pés no chão, trate com sabedoria e humildade os problemas nacionais. Que não tente, por entender-se sem pecados, fazer milagres.

Voltar ao topo