Habeas data e dados sigilosos imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado

É do conhecimento que o habeas data possui finalidade constitucional informativa e retificatória (art. 5.º, LXXII, ?a? e ?b?, da CF) e também a finalidade legal contestatória ou explicativa (art. 7.º, III, da Lei n.º 9.507/97), constituindo-se em verdadeira ação de salvaguarda dos direitos da personalidade de seu impetrante.

Sabe-se, da mesma forma, que o inc. XXXIII do art. 5.º da Constituição Federal (CF) possibilita a todos receber dos órgãos públicos informações particulares ou mesmo de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo de 15 dias (art. 1.º da Lei n.º 9.051/95), sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, entendendo-se as exceções como as previstas na Lei n.º 11.111/2005.

No âmbito da norma excepcional restritiva acima, existirão duas hipóteses de acesso às informações sigilosas imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, constituindo-se a primeira na possibilidade de a ?Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas?, instituída pelo Decreto Presidencial n.º 5.301/2004, aceitar o pedido da parte, autorizando o livre acesso ou condicionado ao documento (art. 6.º, § 4.º, da Lei n.º 11.111/2005) ou, na segunda, do escoamento do prazo de 30 anos, a partir da produção do documento, uma vez reconhecido o sigilo pelo referido órgão, podendo ser prorrogável por período igual, ocasião em que cairá, depois, em domínio público (art. 23, § 2.º, da Lei n.º 8.159/91).

Observa-se que aparentemente prevalece na legislação, amparada sob o primado constitucional do inc. XXXIII, a restrição a documentos do indivíduo, nem mesmo o habeas data estando expressamente autorizado a invadir o campo daqueles sigilosos à segurança da sociedade e do Estado.

A questão já foi enfrentada pela jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR), vencido o então julgador, que mais tarde chegaria a Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ilmar Galvão, afirmando que ?o dispositivo do inciso XXXIII trata de dados objetivos da pessoa, e não informações personalíssimas?, todavia, permanecendo a conclusão, vencedora naquele processo, da lavra do então relator, Min. Milton Pereira, que a ?hipótese excepcional de sigilo subsiste por expressa previsão constitucional do inciso XXXIII? (TRF, HD n.º 1, j. em 2.5.1989).

Na realidade, o sigilo das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, previsto no inc. XXXIII do art. 5.º da CF, dirige-se, como muito bem observou o ex-Min. Ilmar Galvão, do STF, a dados objetivos, genéricos do indivíduo, pessoais, jamais podendo alcançar, portanto, referências personalíssimas, sob pena de se tornar inoperante o instituto do habeas data nessa hipótese.

Confira-se que a CF deve ser enxergada como um sistema de regras e princípios, inexistindo expressões inúteis ou desnecessárias, razão pela qual há que se fazer uma distinção entre dados pessoais, a que se referiu o inc. XXXIII, e proteção personalíssima, ínsita na idéia da ação de amparo do inc. LXXII, o habeas data, criado justamente para salvaguardar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do impetrante, conforme assim protege o inc. X do art. 5.º da CF.

Assim, dados pessoais são aqueles referentes ao comportamento e à vida pública do indivíduo exteriorizados e reconhecidos do que é reflexo de seu cotidiano em face de sua atividade diuturna, enquanto os dados personalíssimos dizem respeito à vida privada, considerando-se como tal as ações individuais decorrentes da relação íntima e restrita com quem lhe é próximo, impingindo-se critérios eminentemente circunscritos ao círculo fechado do ser.

Por essa razão, num confronto restrito aos dois institutos analisados, conclui-se que o inc. XXXIII do art. 5.º da CF assegura sigilo a dado pessoal do indivíduo em face de acesso a terceiros para segurança da sociedade e do Estado, sendo perfeitamente possível o conhecimento dos registros pela pessoa diretamente interessada e, de outro lado, o disposto no inc. LXXII do art. 5.º da CF, quando trata do habeas data, que reconhece a acessibilidade personalíssima a qualquer dado da vida privada do ser, caracterizando-se como garantia irrestrita.

Pois bem, no confronto, cada qual possui sua função específica, um protegendo dados pessoais (menos restritos) em face de terceiros para segurança da sociedade e do Estado, e outro gerando abrangência à tutela da liberdade de dados personalíssimos (mais restritos), havendo, pois, plena harmonia na convivência de ambos os incisos aqui estudados.

Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos é promotor de Justiça e professor de Direito Constitucional e Administrativo no Complexo Jurídico Damásio de Jesus.

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