Gravação telefônica ou ambiental: validade como prova

Se o seu interlocutor grava uma comunicação telefônica sua, clandestinamente, isso vale como prova? Se o seu interlocutor grava uma conversa ambiental (fora do telefone) clandestinamente, isso vale como prova? Cuida-se de prova lícita ou ilícita?
O Pleno do STF, no dia 18/2/09, reiterou sua jurisprudência atual no sentido positivo (AP 447-RS), nestes termos: “É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-prefeito, atual deputado federal, e outra… Quanto ao crime de responsabilidade, considerou-se, por maioria, tendo em conta a gravação ambiental e depoimentos constantes dos autos, inexistir robusta comprovação da conduta típica imputada ao ex-prefeito, sujeito ativo do delito, não sendo possível, tratando-se de crime de mão própria, incriminar, por conseguinte, a conduta da então Secretária Municipal. Asseverou-se que a gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-Secretária Municipal, seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-prefeito. Vencidos, quanto a esse ponto, os ministros Joaquim Barbosa, revisor, Eros Grau, Cezar Peluso e Marco Aurélio, que condenavam os dois denunciados pelo crime de responsabilidade. Vencidos, no que tange à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita. AP 447/RS, rel. Min. Carlos Britto, 18/2/2009.”

A primeira (e antiga) posição do STF, a propósito, foi a adotada (originalmente) na Ação Penal 307-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, em decisão plenária. Na ocasião firmou-se a doutrina da inadmissibilidade, como prova, de laudos de degravação de conversa telefônica e de registros contidos na memória de microcomputador… no primeiro caso por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório e utilizada com violação à privacidade alheia.

Como salientou, na ocasião, o Ministro Celso de Mello,(1) “A gravação de conversação com terceiros, feita através de fita magnética, sem o conhecimento de um dos sujeitos da relação dialógica, não pode ser contra este utilizada pelo Estado em juízo, uma vez que esse procedimento, precisamente por realizar-se de modo sub-reptício, envolve quebra evidente de privacidade, sendo, em conseqüência, nula a eficácia jurídica da prova coligida por esse meio. O fato de um dos interlocutores desconhecer a circunstância de que a conversação que mantém com outrem está sendo objeto de gravação atua, em juízo, como causa obstativa desse meio de prova. O reconhecimento constitucional do direito à privacidade (CF, art. 5.º, X) desautoriza o valor probante do conteúdo de fita magnética que registra, de forma clandestina, o diálogo mantido com alguém que venha a sofrer a persecução penal do Estado. A gravação de diálogos privados, quando executadas com total desconhecimento de um dos seus partícipes, apresenta-se eivada de absoluta desvalia, especialmente quando o órgão da acusação penal postula, com base nela, a prolação de um decreto condenatório”.

Na atualidade, embora não haja lei expressa a respeito do assunto, tornou-se bastante sólido o entendimento do STF no sentido da admissibilidade, em alguns casos, da gravação clandestina (telefônica ou ambiental) como meio lícito de prova.

Ausência de lei: sem lei nenhum direito fundamental pode ser restringido ou limitado. A aplicação analógica não é válida para a restrição de direito fundamental. A legalidade é requisito número um para a regulamentação de qualquer direito. Não havendo lei restritiva do direito à intimidade previsto no inc. X, do art. 5.º, prevalece seu sentido mais amplo, assegurador dessa liberdade. Qualquer prova obtida hoje por meio de gravação clandestina, em suma, viola a CF. É prova ilícita e, portanto, consoante nosso ponto de vista, inadmissível no processo (seja penal, seja civil).

Em algumas hipóteses, entretanto, apesar da falta de lei, a jurisprudência vem admitindo a gravação clandestina como prova. Por exemplo: quando a vítima grava o teor de uma ofensa a bens jurídicos seus. A gravação (ou filmagem) pode ser feita inclusive sem ordem judicial quando se trata de local público no qual não haja expectativa de privacidade ou quando feita em legítima defesa, estado de necessidade ou com justa causa.

Para a defesa dos seus direitos a vítima pode fazer gravação das ofensas dirigidas contra seus bens jurídicos: STF, HC 87.341-PR, Primeira Turma, j. 7/6/06. No mesmo sentido: (STJ, RHC 19136/MG, J. 5.ª T., j. 20/3/07; STJ, RMS 19785/RO, 5.ª T, 10/10/06). Ainda que a gravação seja feita por um terceiro, desde que haja anuência da vítima, a prova é válida: (STF, RE 212.081/RO, j. 5/12/97, 1.ª T). Precedentes: HC 74.678, DJ de 15/8/97 e HC 75.261, sessão de 24/6/97, ambos da Primeira Turma. Mais recentemente, no sentido da admissibilidade da gravação ambiental: STF, AP 447-RS, rel. Min. Carlos Britto, j. 18/2/09.
Em síntese: apesar da falta de lei expressa, na atualidade a jurisprudência do STF (com exceção dos votos de Menezes Direito e Marco Aurélio AP 447-RS) admite, em alguns casos, a gravação clandestina como meio válido de prova.
Nota:
(1) Citado por Alexandre de MORAES, Boletim IBCCrim n.º 44, p. 6.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, professor de Direito penal na Universidade Anhangüera e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).

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