Governo Lula x privilégios da previdência pública

O governo Lula começou na última semana, ao reunir os 27 governadores, a enfrentar um de seus maiores desafios de governo: tentar promover a reforma tributária e a reforma da Previdência. Se as reformas não forem realizadas de forma rápida, o presidente corre o risco de não poder concretizar seu plano de governo por falta de recursos.

A situação é crítica, pois, segundo os números divulgados na imprensa, somente em 2002 o rombo da Previdência foi próximo de R$ 70 bilhões, dos quais R$ 53 bilhões oriundos da previdência pública.

Entre os pontos colocados na pauta de discussão pelo governo, visando a reforma previdenciária, estão, entre outros, a cobrança de contribuição dos inativos; redução das pensões; criação de um teto para aposentadoria igual à existente na previdência privada (INSS); regime único de aposentadoria (público e privado); idade mínima para aposentadoria; contribuição dos inativos; contribuição para o INSS sobre o faturamento das empresas e não mais sobre a folha de pagamento, etc.

Além da necessidade de se criar um teto máximo para o valor das aposentadorias, o que nos parece de maior relevância na proposta da reforma é a questão da idade mínima para a aposentadoria. Esse assunto foi muito tratado no governo FHC, em 1998, o qual tentou estabelecer uma idade mínima para aposentadoria entre os contribuintes do INSS, mas o Congresso Nacional não aprovou, e boa parte dos que votaram nesse sentido estavam nos partidos de esquerda que dão sustentação ao atual governo, em especial no PT.

O máximo obtido foi um ajuste entre idade e tempo de contribuição, cujo sistema é bem diferente do adotado em países como Estados Unidos, Alemanha, França, Argentina, Inglaterra, etc, onde a idade mínima para aposentadoria no setor privado é de 65 anos.

No entanto, é principalmente no setor público que as mudanças em relação à idade devem acontecer, pois além dos aposentados receberem aposentadoria integral, somente se exige idade mínima de 53 anos para os homens e 48 para as mulheres para aqueles que tenham entrado no serviço público após 1998.

Na quase totalidade dos países não existe a aposentadoria integral como ocorre no Brasil. Em geral, a idade mínima para aposentaria é por volta dos 65 anos, como acontece na Alemanha (que exige pelo menos 63 anos) e na Holanda (que fixa a idade mínima em 65 anos). A tendência nesses países é aumentar ainda mais a idade mínima, pois devido aos constantes avanços tecnológicos e científicos, ocorreu uma elevação na expectativa de vida das pessoas.

O atual sistema público permite aposentadorias muito precoces, possibilitando que ocorram entre 40 e 50 anos de idade, quando a maioria das pessoas ainda está no auge de sua capacidade de trabalho. Isso é muito comum em todos os setores da atividade pública, inclusive nos profissionais da área do Direito. São funcionários, assessores, juízes, promotores, procuradores, advogados, etc, que se aposentam no setor público próximo dos 50 anos, passam a receber aposentadoria integral, e vão para o setor privado trabalhar, tirando oportunidade de milhares de jovens que chegam ao mercado e não encontram trabalho. Em se fixando a idade mínima próxima dos 65 anos isso não mais ocorrerá.

Há ainda outras distorções no sistema que precisam ser revistas, de forma a acabar com alguns privilégios hoje existentes, como por exemplo, em que uma pessoa trabalha na iniciativa privada por 25 anos (dos 18 aos 43 anos), onde a aposentadoria máxima é de R$ 1.562,00. Após esse período vai trabalhar no setor público e com apenas 10 anos de setor público se aposenta aos 53 anos ganhando aposentadoria integral, que pode ser, por exemplo, dependendo do cargo que ocupe, de R$ 8.000,00 por mês.

O aumento da idade mínima para aposentadoria, independentemente do tempo de contribuição, tanto do setor público como do privado, e mais os ajustes para retirar alguns privilégios daí decorrentes é medida urgente.

No entanto, se a opção for pela mudança para um regime único, com um teto máximo para aposentadoria pública e privada, deverá se tomar o devido cuidado, criando-se um sistema de transição, pois desde 1990 os servidores públicos contribuem com 11% sobre o salário integral, sem que haja teto, como ocorre no setor privado.

Há, ainda, o fato de que algumas atividades essenciais do Estado talvez mereçam tratamento diferenciado, sem que isso seja privilégio, pois tratando desigualmente os desiguais se estará praticando a justiça. No entanto, essas situações, se vierem a existir, deverão ser exceções.

A reforma da Previdência, por outro lado, também tem relação com a reforma tributária, pois devido ao excesso da carga tributária, a sonegação vem aumentando e há mais de 42 milhões de pessoas no País trabalhando na informalidade, o que não gera recolhimento de qualquer tributo.

Talvez uma reforma tributária que traga mais justiça social também possa ajudar no saneamento do rombo previdenciário. Justiça social não é criar novos tributos e contribuições para saciar os gastos dos governos federal, estaduais e municipais, mas sim encontrar uma forma eficiente de diminuir os tributos para que todos possam contribuir. É necessário aumentar o combate à sonegação fiscal, à corrupção, aos desvios e mau uso do dinheiro público. A população não suporta mais o aumento de contribuições e impostos! É necessário que o governo faça o seu dever de casa.

As duas reformas (tributária e previdenciária) não serão fáceis de serem realizadas. Os interesses de um lado ou de outro são muitos, iniciando-se pelo político, onde a pressão de governadores, prefeitos, deputados e senadores será grande. Depois, a CUT – Central Única dos Trabalhadores – já se manifestou, acenando com greves e protestos caso o governo Lula não implante o regime único da previdência. Os membros do Poder Judiciário, os militares e diversos setores da administração pública se mobilizam para manter a aposentaria integral para sua respectiva classe.

Independentemente do que for decidido, em nome dos direitos adquiridos provavelmente surgirão ações judiciais que irão questionar o que for aprovado, cabendo a palavra final ao Poder Judiciário.

Assim, como nestes temas não se consegue consenso para realizar as reformas, cabe ao presidente Lula, aproveitando o momento político que lhe é favorável, pois tem a credibilidade de quem teve suas propostas de mudanças aprovadas nas últimas eleições, possui a confiança da população e detém a maioria dos membros do Congresso Nacional em sua base aliada, realizar as mudanças, viabilizando as reformas da previdência e tributária o mais rapidamente possível, sob pena de, assim como ocorreu com o presidente FHC, perder o momento ideal de reforma, e talvez comprometer toda sua gestão e, por conseqüência, o próprio futuro promissor do Brasil, pois sem as reformas não há como fazer o País crescer.

Presidente Lula, a decisão e a oportunidade estão em suas mãos!

José Eli Salamacha

é advogado, mestrando em Direito Econômico e Social pela PUC/PR.

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