Gislaine Barbosa de Toledo

Futebol da paixão nacional a violência

Desde o início da vida, se a criança for do sexo masculino geralmente o pai já a ínsita a ser torcedora de seu time, comprando inclusive roupa do mesmo. Quando a criança começa a se desenvolver e dar os primeiros passos, o pai tem a maior alegria de comprar a primeira bola ao filho e a partir daí inicia-se a distração de ensinar a criança a começar jogar futebol.

Atingindo uma fase em que poderá efetuar suas próprias escolhas o referido garoto, faz à opção se realmente o futebol será seu esporte predileto, bem como qual será seu time preferido.

Quando seu interesse é divergente do pai ou outro membro de sua família, como a opção por outro time, temos o início da primeira rivalidade, começando a partir daí as piadas quando time perde, explosões de alegria quando ganha, etc.

Portanto, inicia-se um novo ciclo na vida da pessoa que, quando criança, basicamente era manobrado pela paixão ou entusiasmo de um membro da família apaixonado por futebol, já na fase adulta pode efetuar suas próprias escolhas assumindo as conseqüências da mesma.

Crescemos ouvindo a frase que nosso país é apaixonado por futebol, sendo considerado o referido esporte o número um, inclusive parando a produção e comercialização de produtos em jogos de copa do mundo.

Ocorre que até o ponto da rivalidade entre amigos, pais e filhos, vizinhos e colegas de trabalho, a mesma ocorre de forma sadia, o problema é quando a mesma se estende a outros locais e são demonstradas de forma agressiva.

Em virtude da referida paixão em 15 de maio de 2003 fora criada a lei n.º 10.671 intitulada “Estatuto do Torcedor” que em seu artigo 2.º determina: Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.

A lei n.º 9.615/98, mais conhecida como Lei Pelé, capitulou em seu art. 4.º, § 2.º que o esporte integra o patrimônio cultural brasileiro, sendo considerado de elevado interesse social, o que também está tipificado na Constituição Brasileira nos arts. 215 e 216.

Em virtude da relevância esportiva criaram-se as chamadas torcidas organizadas, que correspondem a grupos de simpatizantes de um determinado clube de futebol, com objetivo de incentivar seu time e defender a integridade física de seus membros, durante confronto com torcedores rivais.

A forma de tratamento entre torcedores rivais transcendem a todas as condutas de civilização, pois o que presenciamos sempre são informações de vandalismos (em carros, ônibus, metrô, estabelecimentos públicos ou privados) espancamentos e até mortes sob a desculpa de paixão ao time de futebol.

Não podemos generalizar que as torcidas organizadas incitam violência, pois a mesma está no caráter psíquico de cada ser humano que ao vestir a camisa do time A ou B desencadeia sua fúria, muitas pessoas que integram as referidas torcidas são torcedores que amam seus clubes e buscam segui-lo aonde o mesmo for.

O que presenciamos é uma total inércia do Estado, das organizações desportivas e respectivos clubes de futebol, que deixam os referidos fatos chegaram a níveis como se fosse uma guerra civil.

Como exemplo, podemos comentar os diversos objetos que são achados quando ocorrem revistas pessoais ou em ônibus, como: armamentos, objetos perfuro cortantes, facas, estiletes, granadas, coquetéis molotov, dentre outros.

As referidas manifestações muitas vezes são organizadas com antecipação através de comunidades e sites de relacionamento, existindo uma intenção para prática do referido ato. Infelizmente, a violência coíbe a maior participação do público, o que reflete na arrecadação e repasse aos próprios times.

Algumas autoridades estão engajadas a frear ou inibir as referidas práticas, a exemplo disto podemos citar no Estado de São Paulo o promotor do Juizado especial criminal Dr. Paulo Castilho, que há anos busca uma solução para coibir tais atos, inclusive elaborando um projeto de lei que prevê dentre outras mudanças a criação de um Juizado do Torcedor visando resolver problemas criminais, civil, consumidor e adolescente, cadastramento nacional dos torcedores, além de infiltração da polícia nas organizações.

Na opinião do doutor promotor seria conveniente jogos com torcida única a exemplo do que acontece na Inglaterra. O Brasil possui uma morosidade para discutir vários assuntos, sendo que o trazido em baila não será uma exceção, ocorre que até a regulamentação de outras medidas, diversos torcedores continuaram sendo vitimados, o que é inconcebível.

Nossa Constituição Brasileira determina que todos nós possuímos o direito de ir e vir, portanto, é inadmissível torcedores que muitas vezes efetuam um sacrifício para comprar seus ingressos, serem assolados por total falta de segurança nos estádios ou locais circunvizinhos, inclusive porque esta segurança está elencada na legislação do Estatuto do Torcedor (lei n.º 10.671/2003), conforme artigos abaixo transcritos.

Art. 13- O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.

Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

II – informar imediatamente após a decisão acerca da realização da partida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança, transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida, especialmente:

a) o local;

b) o horário de abertura do estádio;

c) a capacidade de público do estádio; e

d) a expectativa de público;

Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes a segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos.

§ 1.º Os planos de ação de que trata o caput:

I – serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão; e

II – deverão ser apresentados previamente aos órgãos responsáveis pela segurança pública das localidades em que se realizarão as partidas da competição.

§ 2.º – Planos de ação especiais poderão ser apresentados em relação a eventos esportivos com excepcional expectativa de público.

§ 3.º- Os planos de ação serão divulgados no sítio dedicado à competição de que trata o parágrafo único do art. 5.º no mesmo prazo de publicação do regulamento definitivo da competição.

Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.

Art. 26. Em relação ao transporte de torcedores para eventos esportivos, fica assegurado ao torcedor partícipe:

I – o acesso a transporte seguro e organizado;

II – a ampla divulgação das providências tomadas em relação ao acesso ao local da partida, seja em transporte público ou privado; e

III – a organização das imediações do estádio em que será disputada a partida, bem como suas entradas e saídas, de modo a viabilizar, sempre que possível, o acesso seguro e rápido ao evento, na entrada, e aos meios de transporte, na saída.

Art. 27. A entidade responsável pela organização da competição e a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo solicitarão formalmente, direto ou mediante convênio, ao Poder Público competente:

I – serviços de estacionamento para uso por torcedores partícipes durante a realização de eventos esportivos, assegurando a estes acesso a serviço organizado de transporte para o estádio, ainda que oneroso; e

II – meio de transporte, ainda que oneroso, para condução de idosos, crianças e pessoas portadoras de deficiência física aos estádios, partindo de locais de fácil acesso, previamente determinados.

Parágrafo único. O cumprimento do disposto neste artigo fica dispensado na hipótese de evento esportivo realizado em estádio com capacidade inferior a vinte mil pessoas.

Art. 39. O torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores ficará impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

§ 1.º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de cinco mil metros ao redor
do local de realização do evento esportivo.

§ 2.º A verificação do mau torcedor deverá ser feita pela sua conduta no evento esportivo ou por Boletins de Ocorrências Policiais lavrados.

§ 3.º A apenação se dará por sentença dos juizados especiais criminais e deverá ser provocada pelo Ministério Público, pela polícia judiciária, por qualquer autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor partícipe, mediante representação.

Verificamos na legislação elencada acima, a obrigatoriedade de segurança aos torcedores e respectivas punições, sendo que os abusos presenciados justamente são efetuados por total desconhecimento dos torcedores e de toda população que não reivindicam seus direitos, seja para cumprimento das medidas de segurança informadas, bem como para punição de supostos torcedores que instigam a todo tipo de violência ou as organizações que elaboram os respectivos jogos.

Se formos elencar as responsabilidades e punições das outras leis brasileiras como Código Penal, Código de Processo Penal, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, daria para escrever um livro e nem assim o assunto seria esgotado, pois todas elas remetem e se insurgem com as questões ora abordada.

As mobilizações efetuadas no país inteiro sejam pela promotoria, deputados ou qualquer entidade visando exterminar a violência e punir seus responsáveis, são válidas, mas para que os esforços não sejam inócuos é necessário tirarmos a venda dos olhos e ao invés de inovarmos, aplicarmos na integralidade as leis já existentes, como as citadas acima, que por si só punem torcedores mais frenéticos ou respectivas organizações.

Precisamos dar um fim nesta impunidade doa a quem doer, pois o sonho que se inicia quando criança da paixão por um esporte, que no caso específico é o futebol, não pode ser frustrado por pequenos grupos que visam à total balburdia e brutalidade.

Viver em democracia é isto: exigir nossos direitos, mas acima de tudo cumprir deveres.

Gislaine Barbosa de Toledo é advogada.

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