Fim da Guerrilha do Araguaia completa 30 anos

Há exatamente 30 anos, em 5 de janeiro de 1975, o Exército encerrava, oficialmente, os combates contra os militantes do PC do B no norte de Goiás, hoje Tocantins, e sudoeste do Pará – três décadas depois, a Guerrilha do Araguaia vira tema de um filme, dirigido pelo cineasta Ronaldo Duque, livros e teses. A história da luta que resultou na morte de 69 guerrilheiros e de um número desconhecido de soldados continua, no entanto, tratada como segredo de Estado.

"O presidente da República e o ministro da Defesa devem exercer sua autoridade e exigir que o Exército mostre pelo menos as fichas dos combates", afirma o novo prefeito de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Roberto Valadão (PMDB), irmão do guerrilheiro Arildo Valadão. O governo do PT prometeu cumprir sentença da Justiça que manda abrir os arquivos, mas as Forças Armadas insistem em negar a existência de dados sobre o conflito.

Roberto Valadão e os irmãos Altivo e Marlene cederam à reportagem fotos e documentos que mostram os ideais e a intimidade de um dos casais mais famosos da luta armada brasileira. Dias antes de ir para o Araguaia, Arildo Valadão casou-se na Basílica Nacional de Aparecida, no Vale do Paraíba (SP), com a ex-nadadora do Fluminense e colega no curso de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Áurea Elisa Pereira. Arildo Valadão e Áurea eram "revelações" do Instituto de Física da UFRJ, centro que, no fim dos anos 60, começava a se destacar na área nuclear, e participavam do movimento estudantil. Logo depois do casamento, eles abandonaram o apartamento de um quarto e sala em que moravam no Catete, na capital fluminense, para escapar de uma ação do Exército, que destruiu o local.

Numa carta escrita em 8 de julho de 1970, para a mãe, Helena, Arildo Valadão afirma que se mudava com Áurea da cidade o interior do País com o objetivo de fugir da ditadura. O guerrilheiro avalia na correspondência de quatro páginas que era "inevitável" a vitória contra os "guardiães da democracia" – como se refere aos militares – e diz que a luta armada teria êxito fora dos centros urbanos. "Eles não se limitam a prender e procurar saber se (o preso) é inocente ou culpado, logo designam a pessoa por culpada e, então, submetem-na a torturas horríveis" escreve.

"É quando o inimigo faz tudo para nos derrubar – e não o consegue – que podemos medir o quanto somos fortes." Altivo Valadão mostra fotos de Arildo Valadão no verão de 1968, em Marataízes, litoral sul do Espírito Santo. O guerrilheiro, à época com 19 anos, aproveitava as últimas férias antes de entrar na agitação estudantil. A última vez que Altivo viu o irmão foi, por coincidência, no banheiro de um cinema em Botafogo. Arildo, na clandestinidade, tinha marcado encontro com outra pessoa no local. "Arildo era brincalhão, risonho e comunicativo", lembra Altivo, que hoje é engenheiro químico.

Em outro trecho da carta, Arildo pede para a mãe não se preocupar com ele e Áurea, "pois bem sabe que somos jovens, fortes, dispostos, prontos a enfrentar tudo". Para poupar a mãe do sofrimento, ele evita comentar a atuação no PC do B. "Ora veja só a sra., eu que fui indicado para assessor direto do ministro da Educação e Cultura ser acusado de subversivo! Não é mesmo engraçado? Logo eu, tão querido pelos professores e até pela direção da escola, eu a quem tanto confiavam, ser acusado de uma tal coisa! É bem verdade que eu era presidente do Diretório Acadêmico de minha escola…" Numa fina ironia, o guerrilheiro promete à mãe voltar para casa: "Quanto menos esperar, nós apareceremos por aí com os `canudos’ debaixo do braço." "Algum dia chegará em que nós estaremos, novamente, juntos e então todas estas coisas serão coisas de um passado distante e nós riremos juntos e satisfeitos quando lembrarmos delas", completa.

Arildo teria sido decapitado em 24 de novembro de 1973, aos 24 anos, e Áurea morta em 1974. A ação do Exército contra a guerrilha durou de 1972 a 1975. Antes dos combates, os comunistas atuavam como parteiros, comerciantes, agricultores e professores na região. Áurea e Arildo, por exemplo, instalaram uma escola para crianças pobres. "Eles eram como carne e unha, muito unidos e apaixonados", conta a ex-guerrilheira Luzia Reis, presa no início da luta armada. Já dossiês do Exército destacam a audácia de Arildo, que invadiu barracas militares. Helena morreu em 1973, pedindo a presença do filho caçula.

Voltar ao topo