Filme ruim

Poucas horas antes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao discursar em evento do qual participavam inúmeros deputados da base governista, aproveitou o ensejo para fazer graça e insinuar com uma picardia que vai se tornando repetitiva que falaria pouco para atender um pedido do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que por sua vez não conseguiu conter o riso. Segundo Lula, os parlamentares queriam retornar com urgência ao plenário, tangidos pela ansiedade de votar uma matéria importante em tramitação.

Não foi necessário que o presidente da República se referisse nominalmente à matéria em questão, para que todos a identificassem com a Contribuição Social da Saúde (CSS), afinal aprovada com a esquálida vantagem de dois votos. O relatório final, de autoria do deputado Pepe Vargas (PT-RS), determina que a contribuição sobre movimentação financeira (o novo imposto do cheque) opere com alíquota de 0,1% e seja cobrada a partir de 1.º de janeiro de 2009, com receita estimada em R$ 10 bilhões anuais. A matéria obteve 259 votos favoráveis, 159 contrários e duas abstenções. Ambos os deputados que deram a vitória mínima ao governo (o projeto retornará ao Senado porque foi modificado na Câmara), com apenas dois votos a mais que o quórum exigido de 257 devem ter ido dormir em berço esplêndido, vez que passaram a ostentar a subida honra de encarnar a maioria governamental cada vez mais precária.

Ao sair do Senado para ser examinado na Câmara, a regulamentação da Emenda Constitucional 29 estabelecia que o governo federal era obrigado a investir na Saúde 10% do total da arrecadação, sem especificar a fonte dos recursos. O Planalto respondeu com um recado à base, assegurando que o presidente da República vetaria o projeto caso a fonte não fosse identificada.

A leitura dos especialistas no comportamento de Lula viu nessa intervenção a licença explícita para a ressurreição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), detonada na histórica votação do Senado. Os líderes petistas entenderam o recado e, ato contínuo encarregaram um fiel escudeiro de relatar a matéria, embora o placar final não esconda as dificuldades que o governo teve para aprovará-la.

O texto aprovando a CSS terá nova tramitação no Senado, onde a contribuição anterior, a malfadada CPMF, partiu desta para melhor. Já apareceram senadores garantindo que mais uma vez o Planalto vai experimentar o travo amargo da derrota. O fato que desperta a atenção é que a proposta oriunda do Senado, subscrita pelo senador Tião Viana (PT-AC), foi inteiramente modificada pelo deputado gaúcho Pepe Vargas, num arroubo de colaboracionismo atestado até mesmo pelo mais humilde estafeta da Câmara. Um dado que certamente vai pesar na segunda manifestação dos senadores é que a proposta de Viana fora aprovada por unanimidade.

A escassez de votos a favor do governo, na análise de calejados observadores da cena política de Brasília, se deveu em grande medida às defecções (alguns preferem usar a palavra mais direta, traição) de integrantes das bancadas do PR, PTB e PP, bandeiras outrora vistosas no bivaque congressual à disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De um total de 103 parlamentares dos partidos respectivos, calculam os analistas que apenas 60 votaram de acordo com a expressa determinação palaciana.

É com base nesse aparente esfacelamento da brigada que o governo dispunha no Congresso, especialmente no Senado, onde o equilíbrio entre as bancadas da situação e oposição já deu inúmeras mostras de não ser mera abstração, que muitos falam abertamente da nova e convincente sova a ser aplicada sobre o governo Lula, em legítima manifestação de repúdio a quaisquer arreganhos no sentido do aumento da carga tributária. Para ganhar na Câmara, o governo não se fez de rogado e esbanjou eficiência na liberação de emendas engavetadas e no atendimento dos pedidos de vários deputados. Um filme velho, borrado e extremamente ruim. 

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