Fidelidade canina

Por fidelidade canina costuma-se entender fidelidade absoluta. Se a um cão realmente fiel o dono mandar morder um passante, mesmo que seja uma criança, o animal o fará. Não tem capacidade de discernimento entre o bem e o mal. Algumas raças são de boa índole. Outras não, e dependem da forma como são criadas. Cientistas chegaram à conclusão de que os cachorros têm uma certa capacidade, aliás bem avançada, de entender o que dizem os humanos.

Mas o que nos importa é a “fidelidade canina” que o político e ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu diz ter para com o presidente Lula. Fidelidade dessa ordem tiveram os nazistas para com Hitler, os auxiliares diretos do ditador Stalin, de Mussolini e, felizmente, também partidários de políticos competentes, bem intencionados e de boa índole.

Mas será que é bom que um homem como José Dirceu seja caninamente fiel? Contra ele só se levantaram suspeitas quando ficou provado que era amigo do vigarista Waldomiro Diniz, alto funcionário do governo Lula, encarregado de contatos com o Congresso Nacional. Waldomiro estava envolvido com chefes do jogo e fazia chantagem para arrecadar dinheiro para si e para campanhas políticas situacionistas.

Será bom para o próprio presidente Lula, de cuja honestidade ninguém duvida e de cuja competência apenas se levantam dúvidas, que tenha um auxiliar de primeiríssima linha caninamente fiel? Vale dizer, sem a capacidade de discordar, criticar, questionar o que seu “dono” diz, quer ou faz. Cremos que não, pois é essencial, para um governante ou qualquer pessoa detentora do poder, ter ao redor de si homens e mulheres que ousem discordar, quando necessário, para sugerir mudanças e melhores caminhos.

José Dirceu, desgastado com o episódio de Waldomiro Diniz, buscou dar a volta por cima e continuar merecedor da confiança de Lula. Justo, pois contra ele, pessoalmente, só há a acusação de haver escolhido mal um auxiliar e amigo, levando-o para o interior do Palácio do Planalto. Foi designado por Lula para funcionar como uma espécie de gerente dos ministérios, uma espécie de primeiro-ministro, deixando as funções de coordenador do governo junto ao Congresso. Para estas funções foi designado o deputado Aldo Rebelo, do PC do B. Não deu certo e se comenta, já com desmentido oficial, a devolução das funções de coordenação a José Dirceu. Ele parece mais vocacionado para o trato de questões parlamentares que administrativas. Sua fidelidade canina é que o teria levado a assumir funções para as quais não tem vocação.

Se tal acontecesse, o presidente estaria certo, pois é evidente que Dirceu funcionará melhor trabalhando junto ao Congresso. Falta, entretanto, esclarecer de vez o episódio Waldomiro Diniz, até agora com muito jeito de pizza. Necessário se faz, de qualquer maneira, que se reveja essa “fidelidade canina”. O governo Lula, mais do que muitos outros que o antecederam, carece de assessores capazes de mostrar-lhe as omissões, falhas e erros. E competentes para ajustar suas propostas à vontade do Congresso. Esta será sempre a vontade da nação, pois deputados e senadores são mandatários diretos do povo.

A fidelidade canina pode levar a morder inocentes e deixar escapar culpados. Não vale, nem como força de expressão, pois nenhum político do jaez de José Dirceu precisa renunciar às suas convicções para bem servir ao presidente. E, deve, antes de mais nada, servir bem ao País, mesmo contrariando o presidente.

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