Falência da saúde

O governo brasileiro descreve o Sistema Único de Saúde (SUS) como sendo a maior rede pública de saúde do globo terrestre. E o faz com indisfarçável vaidade, dando a impressão, a quem não conhece os serviços do sistema, que no Brasil não há doentes desassistidos e a universalidade do sistema permite que, gratuitamente, qualquer pessoa seja socorrida pela gigantesca malha criada pelo governo federal. É evidente que quem é brasileiro e, pelo menos em teoria, cliente do SUS, sabe que à grandeza do projeto contrapõem-se seus inúmeros problemas e a precariedade dos serviços que presta. Serviços que ou não são de maneira efetiva colocados ao alcance de quem necessita ou são disponibilizados apenas parcialmente e alcançáveis depois de superadas inúmeras dificuldades, inclusive longas esperas que não dispensam as tradicionais filas.

Pesquisa feita pelo médico Gilson Carvalho, secretário Nacional de Atenção à Saúde no governo Itamar Franco e consultor do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), pesquisou o assunto. O mesmo fez a Escola Nacional de Saúde, ligada ao Ministério da Saúde.

A conclusão é que, nos últimos 12 anos o setor privado brasileiro de assistência à saúde já ultrapassou o sistema governamental em volume de dinheiro aplicado. O SUS padece de um mal que se agrava ano a ano: falta de dinheiro. O sistema privado de assistência à saúde já superou em investimentos o governo federal no seu gigantesco e ineficiente programa único de saúde.

Em 1955, 61,6% dos gastos com saúde vinham do SUS e apenas 38.4% eram do setor privado. Em 2007 o SUS respondeu por 49% e o setor privado ultrapassou-o, respondendo por 51%. A participação governamental caiu 20,45%.

Na opinião dos especialistas, a saúde pública no Brasil vai mal porque falta dinheiro. ?O que mostra que os recursos são insuficientes são, de um lado, a falta de ações e serviços e, de outro, a baixa qualidade de alguns deles. Insuficiência e ineficiência?, declara Gílson Carvalho. ?Os planos de saúde crescem porque o SUS está cada vez pior. Um sistema público ruim é a melhor propaganda da medicina privada?, diz o médico e deputado federal José Aristodemo Pinotti, de São Paulo, conhecido nacionalmente.

Pesquisa recente feita pela Datafolha mostra que, para 29% dos brasileiros, o principal problema do Brasil é a saúde, à frente do desemprego e da violência. E veja-se que desemprego e violência são problemas que atingem todo o País e se mostram terrivelmente aflitivos para a população.

O SUS foi criado pela Constituição de 1988. Não é, portanto, deste governo e nem de agora os problemas que apresenta e se agravam ano após ano. Em teoria, cada um dos mais de 180 milhões de brasileiros deve ser atendido por um médico quando estiver doente, ser tratado e receber remédios. E, por isto, nada precisa pagar. Teoria apenas, muito longe da prática.

A saúde privada, em números, é muito menor. Os planos médicos têm pouco mais de 39 milhões de clientes. Este número vem crescendo a olhos vistos, em 2000, tinham uma clientela de 30,7 milhões.

O problema é falta de dinheiro e isto se deve à não priorização da saúde que, em relação a outros investimentos do governo, vem sendo colocado em segundo plano.

Há disposição constitucional determinando que União, estados e municípios devem gastar determinados percentuais de seus orçamentos em saúde pública. Esse mandamento da Carta Magna, que é de 1988, até hoje não foi regulamentado. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou, por decreto, cortes no orçamento federal. O Ministério da Saúde perdeu R$ 2,59 bilhões.

Dedica-se o governo ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), seu carro-chefe. O PAC prioriza obras de infra-estrutura e isto é indiscutivelmente bom para o País. Mas é de se indagar se, num elenco de pontes, estradas, usinas, portos e outros investimentos de peso, necessários e desejados pela população, não seria de incluir-se como prioridade a saúde pública. Não nos esqueçamos que o SUS, uma obra de infra-estrutura de atendimento humano tão gigantesca, merece escapar da falência para a qual resvalará inexoravelmente, se não for socorrida com urgência.

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