Leonardo Alves da Silva

Fachin no STF: Para a construção de um nova ordem civil-constitucional brasileira

Oportunidade renovada

Nas últimas semanas, ante a iminente aposentadoria compulsória de notável Ministro do STF (Professor-Doutor Eros Roberto Grau) – fato a ocorrer em agosto deste último ano de re-mandato presidencial – , estão novamente a se somar, não somente aqui no Estado do Paraná, diversas vozes de polifônicas correntes (políticas, jurídicas e sociais), cuja sonoridade, de qualitativa e quantitativa veiculação, não poderá jamais arrefecer.

É que veio justamente em boa hora a se publicizar a necessidade de retomar campanha legítima pela indicação do Jurista Paranaense Luiz Edson Fachin, Professor Titular da nossa quase centenária Universidade Federal do Paraná – a primeira do Brasil -, para ocupar uma das onze vagas de Ministro no Supremo Tribunal Federal, órgão erigido pela Constituição Federal como o seu precípuo guardião.

Lembre-se, demais disso, que tal movimento chama a atenção para o fato de que é mais do que centenária a última e única participação de um paranaense com assento na Suprema Corte, ocorrida com Ubaldino do Amaral, no final do século XIX. E não há que se ter qualquer espécie de constrangimento ou timidez na defesa de nome-consenso por aqui e com reais possibilidades de aquiescência pelo Palácio do Planalto, visto que a mobilização de diversos setores ou comunidades, inclusive em outros estados-membros e/ou regiões do país, já começou e não vai parar até o momento da definição de quem venha a ser escolhido pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República para ocupar a vaga aberta no Excelso Pretório, após obviamente superada a sabatina e aprovação pelo Senado Federal.

Este artigo, não por acaso e nessa esteira, tem por destino completar a tríade apologética de um nome-garante da cidadania consciente, que, por todos os méritos pessoais e profissionais, estes de notório saber jurídico e reputação ilibada (consoante requisitos do léxico constitucional); aqueles, de uma vida social proficuamente engastada aos mais sublimes valores humanísticos, que não se bastam no famigerado e por vezes ralo discurso de “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Cabe, pois, retomar o relevante assunto, já tratado por ocasião de dois artigos veiculados neste semanário suplemento editorial do O Estado do Paraná, Caderno Direito e Justiça, assim intitulados: “Oração a Fachin (no STF)” e “A luta continua, a obra permanece: Fachin no STF”, publicados na versão impressa em 1.º/01/2006 e 07/01/2007, respectivamente, disponíveis ao percuciente exame dos leitores nos links http://www.parana-online.com. br/canal/direito-e-justica/news/156388 e http://www.parana-online.com.br/ canal/direito-e-justica/news/218072..

Efetividade da Constituição-Cidadã

As expressões que melhor sintetizaram, até hoje, o que representou ao povo brasileiro a promulgação de uma Nova Constituição no final da década de 80 do século passado, foram as lapidares considerações do saudoso Ulisses Guimarães, durante a sessão de encerramento dos trabalhos, quando qualificou a obra legislativa primária de então como “O Documento da Liberdade e da Justiça Social”, enfim, a “Constituição-Cidadã” (sim, com hífen entre as palavras, significação que transcende ao aspecto gráfico e/ou gramatical, para dizer que se tratam de “irmãs siamesas”, pois nasceram no 5/10/1988 sem que possam separar-se biogeneticamente, sob pena de perderem individualmente a própria essência do dever-ser criado).

Com efeito, no regulamentado esquema jurídico-processual vigente, ao par da tradicional e litúrgica via do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos emanados dos Poderes constituídos em nível federal e estadual (tanto pela via concentrada-objetiva, com rol limitado de legitimados ativos; quanto difusa-subjetiva, dependente de ultrapassagem do filtro da repercussão geral da questão constitucional suscitada e devidamente prequestionada), estamos diante de instrumento atual de notável valia jurídico-concreta para a sociedade, qual seja, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF.

Com o manejo da ADPF em franca expansão temática, abrangendo tanto questões de direito municipal (essencialmente comunitário, não usualmente abarcada qualquer via processual para sua análise material em sede de jurisdição constitucional a nível federal) quanto aquelas que dividem expertos e geram grande polêmica na opinião pública nacional (como o uso de células-tronco embrionárias, o aborto prévio de fetos anencéfalos, entre outras, que ensejam prudente tratamento conciliatório do direito e da razão lógica, isso entre a ciência de incessantes avanços e a fé tradicional, estes últimos elementos como traços civilizatórios evolutivos e culturais distintivos de um povo), esse é o momento de se ter no STF juízes que estejam perfeitamente afinados ao seu tempo (ético, filosófico e sociológico), no qual a expressão do labor interpretativo diuturno levado a efeito pelos magistrados estampe a concretização dos cogentes ideais de cidadania e justiça social singrados nos mais nobres capítulos e seções da nossa ainda jovem Carta Política.

Essa, destarte, é a vez e a hora de consolidar o denso e republicano nome do Professor-Doutor Luiz Edson Fachin como augusto candidato à vaga no STF, pelo Paraná e a bem do Brasil, pela efetividade da Constituição-Cidadã.

Construção Hermenêutica de uma nova ordem civil-constitucional

A geração dos juristas inspirados no epitetado neoconstitucionalismo, em sua vertente específica do civil-constitucionalismo, trouxe à baila o grande paradoxo existente entre todo o arcabouço jurídico formalmente garantido pela Lei Máxima e a efetiva práxis social (órbita privada, com o inerente exercício das “maximizadas” liberdades individuais e coletivas “contidas”) e governativa (órbita pública, de que somente se aperfeiçoa com a vivência de autêntica democracia em âmbito social mais amplo, da relação dos poderes constituídos com os administrados e da organização para o progresso do país fomentada decisivamente pelo Estado, ainda que no regime do jogo das “livres forças” do mercado globalizado).

Para além do texto meramente escrito, a Carta Magna brasileira possui ainda diversas adoções irrevogáveis de opções jurídico-políticas, que teimam em não nascer (concretização de direitos e deveres) enquanto práticas que sequer estão instauradas nos corpos governativos e social, merecendo então um processo de transparente indentificação jurisdicional de pontos conflitivos e recidivos, a fim de se entregar à sociedade um razoável paradigma relacional jurídico que permita o desenvolvimento sustentado, que otimize o valor segurança jurídica por meio da educação cultural do povo, construída na dignidade (aspectos humanísticos e também meramente econômicos) e na idéia de tolerância democrática com alternância de poder (revezamento responsável, sem continuísmo, com prosseguimento de políticas públicas consistentes legitimadas nas urnas).

Destaque-se aí a monumental contribuição que o civil-constitucionalismo programaticamente defendido por FACHIN está a nos oferecer dia após dia. Vejam-se, a título exemplificativo, as suas diversas obras na seara do Direito, não apenas pelo requintado aspecto literário, mas pelo pano de fundo que sempre está a ensejar reflexão crítica, um repensar civilista das bases humanísticas em que se assenta o tecido social, passando pelo direito obrigacional (ato e negócio jurídicos), pela função social da posse e direito de propriedade contemporâneo, pela venturosa tese do estatuto jurídico do “patrimônio mínimo” (reduto ético da dignidade econômica da cidadania atual), questões intrincadas de direito de família (até pouco tempo vistas como “tabu” no âmbito social), entre outros temas polêmicos, porque sensíveis ao trato doutrinário.

Inúmeros são os seus estudos/projetos, artigos e orientações acadêmicas de teses, tudo direcionado para um fim maior, aquele mirado na instauração de uma nova ordem civil-constitucional cuja construção hermenêutica perpassa o conhecimento sólido de alguém de vivifica profundamente a realidade jurídica interna e internacional, algo indispensável na vida moderna, visto que a oscilação jurisprudencial hodierna nada mais reflete o fato de que os graves problemas socialmente enfrentados são mundiais, não apenas isolados por fronteiras imaginárias apontadas em mapas de cartografia, sendo imperioso o sincretismo benéfico dos diversos ramos do direito em prol do ser humano, sem preconceito de qualquer ordem (independente de sexo, etnia, credo religioso, inclinação político-filosófica, ou qualquer nota cultural distintiva de um grupo majoritário ou minoritário, comunidade ou classe de pessoas). É dizer, por outras palavras, a consagração máxima do supraprincípio protetivo da dignidade da pessoa humana, estampada nas obras e ações do Prof. FACHIN.

Nesse diapasão, permito-me, como de hábito, recitar memorável e emblemático discurso do outrora e ainda advogado MOHANDAS KARAMCHAND GANDHI, alcunhado posteriormente de MAHATMA (do sânscrito, “A Grande Alma”), quando foi lançada a Campanha Comunitária contra o odioso apartheid, nominada “We are Citizens of the Empire – Somos Cidadãos do Império”, perante o Congresso Hindu realizado em setembro/1906 no Teatro Imperial de Johannesburg, na atual África do Sul (à época na condição de colônia britânica, pelo Governo de Transvaal), acerca da resistência digna e cidadã pela não-violência porém em favor dos direitos humanos. Lá foi dito pelo eminente pacifista, ipsis verbis:

“Dou-lhes as boas vindas.
A todos vocês … [referindo-se aos espias-guardas da coroa britânica]
Não temos segredos.
Vamos começar esclarecendo … a nova lei do General Smuts.
Os indianos devem fornecer suas impressões digitais …
como criminosos.
Homens e Mulheres.
Apenas o casamento cristão é reconhecido.
Por esta lei … , nossas esposas e mães são prostitutas …
e todos os homens aqui são bastardos.
E um policial, ao passar pela habitação de um indiano – não direi “lar’ – ,
pode entrar e pedir o passe de qualquer mulher indiana.
Entendam …, ele não precisar esperar à porta. Ele pode entrar.
[pausa, pois se passa discussão exaltada entre os expectadores]
Admiro essa coragem.
Também preciso de coragem, pois, por essa causa, …
eu também morreria.
Porém, meus amigos …,
não há causa nenhuma pela qual eu me disporia a matar.
Não importa o que nos façam …
Não atacaremos ninguém!
Não mataremos ninguém!
Mas também ninguém dará suas impressões digitais!
Vão nos prender, nos multar … e confiscar nossos bens …
mas não tomarão nossa dignidade, se não a entregarmos.
Estou pedindo que lutem. Que lutem contra o ódio deles.
Não que o provoquem.
Não desferiremos um golpe.
Mas receberemos golpes.
E, por meio da nossa dor, …
faremos com que eles percebam a injustiça.
Isso será doloroso … como toda luta é dolorosa …
Mas não perderemos.
Não podemos perder.
Podem torturar o meu corpo …
quebrar os meus ossos …
e até me matar.
Então …
eles terão o meu cadáver …
mas não minha obediência !!!
[… palmas da platéia …]
Somos hindus e muçulmanos.
Cada um de nós é filho de Deus.
Vamos fazer um juramento em Seu nome.
Haja o que houver …
não nos submeteremos a essa lei! “
É a resistência pacífica e não-violenta pela manutenção ou recobro da dignidade, perdida ou em vias de se perder. Essa uma breve ilustração dos “limites e possibilidades” de se contar no STF com a calibrosa e apaziguadora pena julgadora do Prof. FACHIN.

O Canto do Uirapuru

Isso posto, sustenta-se com o mesmo entusiasmo e desassombro de sempre, essa comprometida tese pela realização de um Direito Justo, obra do ser humano e residente na força normativa de teses construtivas socialmente viáveis.

Lá, como já dissemos uma vez, no olimpo da magistratura nacional, com a possibilidade de entregar cerca de dezoito anos de produção intelectual vindoura, além do inexcedível cabedal trazido e acumulado, no jogo das forças distintas da composição plenária, a autoridade de um doutrinador pode muito bem fazer lembrar a referência indígena ao Uirapuru, que aprendemos desde a tenra idade no ensino fundamental, que diz que na selva amazônica, quando esse pássaro canta, todos os demais silenciam para ouvi-lo atentamente.

Lembre-se, ademais, a notável sinfonia composta em 1917, pelo genial e incomparável HEITOR VILLA-LOBOS, em homenagem ao dito pássaro. Podem ser, na nossa modesta metáfora, os arcodes jurídicos da razão e solfejos generosos do coração, vetorialmente equilibrados, advindos de possíveis votos nos julgamentos a serem expendidos pelo Ministro Luiz Fachin.

O Prof. FACHIN, com o seu estilo marcante e de aguda precisão técnica, combativo na hora e na medida certa, mas de leveza admirável combinada com a humildade que sempre lhe acompanhou, poderá muito bem provocar esse efeito acústico no âmbito das, muitas vezes, calorosas discussões ocorridas ultimamente no STF, fruto da posição ativista assumida pela Corte em um momento no qual pululam diversas crises (política, econômica; e até, senão pior, jurídica, ante a anomia inconstitucional de que se ressente a regulamentação da Carta, até hoje, em vários dispositivos, “um cheque em branco” passado pelos constituintes (originário e derivado) à cidadania e sucessivos governos das três esferas, “portadores anônimos” de direitos-deveres idealisticamente perfeitos, mas que “caem sobre si”, como a luz que se encurva atraída pela extrema força gravitacional dos escuros buracos negros do universo jurídico.

É renovada a auspiciosa hora de lutar, com fé e perseverança, pela indicação do Prof. FACHIN ao STF, jurista de escol no alvorecer deste século XXI da Era Cristã, porque já fez muito, na academia e na advocacia (pública e privada), e, sem sombra de dúvidas, escreverá a História, só que no exercício da jurisdição constitucional brasileira.

Era o que tinha a dizer aos leitores, respeitosamente.

Leonardo Alves da Silva é procurador federal (advogado paranaense membro da AGU/PGF, bacharel em Direito graduado pela UFPR, aluno do professor Luiz Edson Fachin).

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