Ética, um perfil pessoal

Se bem que os parâmetros de uma ética universal possam ser reconhecidos pela unanimidade dos povos, como aqueles valores que sustentam a dignidade, a honradez e a justiça entre seres humanos dotados de uma mesma natureza, isto, contudo, não dispensa uma constatação basilar, aquela segundo a qual é na reação e no comportamento de cada um de nós que a ética se faz concreta e efetiva.

Desta forma, verifica-se que uma integral concepção da ética deve oscilar entre o genérico dos princípios e a eficácia da ação individual, sem os quais a ética ou se desvanece em palavras vazias (flatus vocis), ou então não consegue superar as nossas tendências atávicas (homo homini lupus).

Ora, com isto queremos afirmar que a ética é essencialmente um processo artificial de aperfeiçoamento humano, fruto de nossa disposição heróica para superar certas tendências naturais, fisiológicas ou psíquicas, resquícios de uma evolução antropológica ainda muito presa ao passado biológico recente. Assim, como produto refinado de uma espiritualidade consciente, a ética é que há de mais nobre e desafiante em nossa vida.

As pesquisas atuais sobre as características de nosso comportamento ético conduzem à constatação de que somos possuidores de quatro dimensões diferentes de perceber os sentidos e os significados de nossos atos. Tais são: a dimensão sensível, relacionada às necessidades corporais; a dimensão mental, relacionada às exigências racionais; a dimensão da alma, relacionada aos nossos sentimentos e, por fim, a dimensão espiritual, relacionada à experiência transcendente e extática.

Numa primeira perspectiva, a ética fica condicionada à realidade de nossas necessidades corporais, defrontando-se com estímulos fisiológicos muitas vezes incontroláveis. Apelos sexuais, reações hormonais, estresses e provocações de humor acabam por exigir posturas éticas quase heróicas, demandando forte aprendizado disciplinar. É o princípio da ética autoritária.

Numa segunda dimensão, a compostura ética submetida à razão gera conhecimentos explicativos sobre o perfil de diferentes modelos éticos. Neste caso, trata-se de explicar como diversas situações culturais dão origem a concepções peculiares de como agir moralmente. Como exemplos notáveis de modelos éticos podemos citar a ética cristã, a ética da felicidade, a ética utilitária, a ética da natureza (ecologia), etc. É o princípio do pluralismo ético.

Num terceiro momento, nossas potencialidades éticas se vêem submetidas a um forte pendor de emotividade, fazendo com que nossos atos se tornem amorosos e desprendidos em favor de nossos semelhantes. Na verdade, nunca há moralidade sem este correspondente sentimento piedoso. Neste caso, amar o próximo e tratar os outros como gostaríamos de ser tratados são apenas faces de uma mesma moeda. É o princípio da ética fraterna.

Por fim, como degrau mais elevado na escalada da perfeição moral, nosso comportamento se vê condicionado por exigências abstratas e transcendentes, ganhando consistência e perspectivas de espiritualidade. Sem dúvida, qualquer virtude ética só encontra a sua plena significação se se tornar revestida do apelo vocacional de missão e fidelidade, sob o prisma de uma graça, qualidade maior de quem conseguiu colocar sua vida a serviço de um ideal trans-humano. É dessa forma que as religiões tradicionais inspiram notáveis exemplos de heroísmo ético, nas figuras de Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce, São Francisco de Assis.

Verifica-se, assim, que estes diferentes níveis de postura ética assumem fortes conotações simbólicas, sublimadas, buscando perfeições artificiais dificilmente alcançáveis por via natural: são os ideais de ação que nos propomos, com a convicção firme de estarmos fazendo o melhor, sem esperar qualquer recompensa ou proveito (Kant).

Antônio Celso Mendes

é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras.

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