“Entreguezinho” a quem?

Desde quando uma conversa com o presidente da República significa uma capitulação? Pois parece. Ou melhor, assim procuram fazer ver os presidenciáveis que, pelas ruas e esquinas da nação, estão à caça de votos e da preferência dos brasileiros. A manifestação veio na esteira do convite que o presidente Fernando Henrique Cardoso fez aos quatro principais candidatos na corrida da sucessão presidencial para uma conversa ao pé do ouvido. O dólar não cai, apesar do acordo com o FMI, e é preciso salvar a economia, ferida de morte pelas incertezas políticas.

Nenhum candidato ousou dizer que não vai ao encontro, a princípio agendado para esta próxima segunda-feira, 19. Mas, cada um à sua maneira, reagiu com deboches, críticas ou condicionamentos, o que a princípio invalida de antemão um eventual resultado do diálogo. Quer o presidente que os candidatos assumam suas responsabilidades perante o País, evitando assim que, em função das incertezas espalhadas pelo também incerto resultado eleitoral, continuemos a viver na grande incerteza fomentada por uma crise cujas conseqüências são totalmente imprevisíveis…

Que dirá o presidente aos presidenciáveis individualmente durante a horinha reservada a cada um? Repetirá o que disseram os acólitos do FMI, segundo os quais é preciso que os candidatos expliquem claramente o que pensam sobre o acordo, apóiem-no sem reticências, demonstrem fé e confiança e, ainda, jurem que haverão de honrar, vírgula após vírgula, contratos e compromissos, incluindo o pagamento da dívida externa?

Se a crise Ä como muitos dizem Ä tem sua origem na política, é com a política que ela precisa ser resolvida. E seria este o primeiro teste dos que se propõem a governar os brasileiros durante os próximos quatro anos. Uma posição mais definida sobre os grandes interesses brasileiros ajudaria a acalmar os mercados. Queiram ou não os candidatos, eles existem e estão aí a complicar nossa vida.

É bem verdade que o chamamento presidencial à conversa tem um quê de maquiavelismo. É, assim por se dizer, um golpe de mestre. Digam o que quiserem dizer os candidatos depois, ninguém poderá ocultar o gesto do estadista em busca dos interesses nacionais, golpeados pela especulação internacional. Mas daí a reagir como o candidato Ciro Gomes, que diz que vai ao encontro por dever de ofício, mas que não cometerá o exagero de seu rival Lula, que Ä como diz Ä já está domesticado e “entreguezinho”, eis aí outra prova de falta de maturidade e de preparo de alguém que reivindica o posto de supremo magistrado da nação. Se conversar e dialogar é entregar-se ou render-se, então Ciro Gomes que vá fazer seu solilóquio em outras plagas.

E depois, é necessário que ele explique melhor: entregue a quem? Aos propósitos naturais de quem preside e quer acertar, ou aos propósitos ocasionais do capital de arribação que, pelo visto, gosta do quanto pior melhor? Mais que bravatas, seria aconselhável que o aliado de ACM, Collor, Martinez e tantos outros de espectro político diverso fosse dado à análise e solução dos graves problemas do momento, que significam o prenúncio da tempestade que enfrentará o novo governo. Dele se espera que esteja entregue, sim Ä e muito mais que isso – aos interesses do povo brasileiro.

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