Mara Catarina M. Lopes Leite

Encarceramento é a solução para a violência?

Diante dos instrumentos legais hoje existentes para aqueles que cometem crimes, muitas são as indagações que surgem quanto a real necessidade e eficiência, no que diz respeito especificamente, à aplicação das penas privativas de liberdade, afinal, esse “esbulho da liberdade pelo direito penal” atende a quais interesses?

O cárcere é realmente o caminho e a solução para os que transgridem as regras sociais e a resposta capaz de transformar o autor de um crime, além de produzir-lhe a verdadeira mudança comportamental de forma a devolvê-lo à sociedade, sem riscos? Afinal este não é o papel do Poder Público quando confina um criminoso para cumprimento de pena imposta pela Justiça e objetivamente deve restituí-lo ressocializado e plenamente capaz de viver de acordo com as regras impostas para a vida em grupo.

Assistimos nos dias de hoje, o aprisionamento como única forma de aplacar a sede de segurança que a sociedade espera dos Poderes Constituídos, esquecendo-se de que os criminosos são oriundos do nosso convívio social e para ele vão retornar.

O Poder Executivo não possui o poder de punir, mas tem que custodiar e reintegrar os condenados à sociedade, por isso é imprescindível fomentar a discussão e o debate transparente e crítico com todos os segmentos da sociedade civil organizada, até como forma de esclarecer e de buscar um novo olhar sobre o sistema carcerário como um todo. Onde fique claro que para a maioria absoluta das pessoas presas, o acesso à educação formal, profissionalizante, trabalho, saúde, só virá a partir da prisão.

Será que não é possível perceber que se investirmos antes nas questões sociais, que resgate a dignidade e a cidadania da nossa comunidade, estaremos otimizando custos e cumprindo deveres Constitucionais básicos, garantindo os direitos humanos de todos.

Nas palavras de WINFRIED HASSEMER “…as garantias liberais do Direito Penal clássico não suportarão a pressão gerada pela expectativa oriunda de uma sociedade insegura e obcecada pelo controle”.

Este tem sido o efeito cruel e devastador com para se livrar da culpa coletiva das suas escolhas, do seu comportamento, dos seus costumes, do desmoronamento dos conceitos básicos de ética, de caráter, de formação familiar, a coletividade transfere para alguns considerados infratores, toda a sua ira e sede, muitas vezes histérica, de punição a qualquer custo, ao criminoso identificável que até mesmo deve ser punido, mas tão somente pelo delito que cometeu e não por todas as frustrações e problemas que as desigualdades provocam em qualquer País do mundo.

Confinar um ser humano é antes de tudo desumano! Só quem conhece de perto o cárcere e suas mazelas tem a verdadeira dimensão do que significa ser privado da sua liberdade.

Já existem mecanismos na legislação brasileira que permitem a aplicação de penas que não a de prisão, como forma de punição aos que infringem a Lei Penal vigente, mas é preciso que todos os operadores do Direito, as demais autoridades constituídas e a população como um todo, definam o que esperam da Justiça, num regime democrático de Direito.

Do alto da sua sabedoria e experiência, o Ministro Evandro Lins e Silva afirmou: “Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos ou condenados… O fator intimidativo pode ser exercido por outras formas de punição, que não a cadeia, e, quanto à retribuição, seria um retorno à pena castigo, anticientífica, verdadeiro talião patrocinado pelo Estado”.

Prender infratores, julgados definitivamente ou não, é a solução para impedir a violência, como se juntar os restos humanos num único lugar bastasse para, num passe de mágica, fazer desaparecer todas as questões que antecedem o cometimento de um crime?

Hoje em dia, passamos a ver como rotina, como regra a quebra de princípio básico da Constituição Brasileira que é o da presunção da inocência. A pena privativa ,de liberdade antes da condenação definitiva de um acusado tem que se revestir do seu caráter de excepcionalidade como condição mínima para não ser considerada ilegal, arbitrária ou habitualmente daqueles que não possuem um Advogado, ou seja, os pobres. E é possível aceitar isso placidamente?

O Professor Doutor René Ariel Dotti, Mestre dos Advogados, escreveu que “Num mundo seduzido pelo fenômeno da globalização, que ameaça destruir conceitos e instituições, devassar a intimidade, suprimir a liberdade e atomizar a cultura é fundamental aviventar os rumos de um renascimento comprometido com a dignidade da condição humana”.

Com esta conclamação quero encerrar suplicando, que sem hipocrisia possamos realmente discutir medidas objetivas, práticas e realizáveis, porque não podemos mais de forma passiva e omissa aceitar o aprisionamento de pessoas como única forma de contenção da violência que atinge indiscriminadamente a todos, e que pode estar latente naqueles que mais amamos e em nós mesmos!

Mara Catarina Mesquita Lopes Leite é Advogada da Carreira Especial do Poder Executivo do Paraná. Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania.

Voltar ao topo