Empresa individual (parte 2): Constituição e transformação

            Como dissemos em artigo anterior, a nova empresa individual de responsabilidade limitada, apesar da nominação equivocada do legislador (a qual manteremos apenas para preservar a dicção original), importará em sensível mudança do paradigma empresarial, já que uma pessoa natural poderá optar pelo regime da limitação da responsabilidade, como nas sociedades limitadas, mas de forma individual.

            Isto, porque o novo artigo 980-A, § 6.º, do Código Civil, expressamente vinculou o regime jurídico da nova empresa individual ao das sociedades por quotas de responsabilidade limita; ou seja, não só haverá separação patrimonial, mas também a forma de constituição seguirá os preceitos aplicáveis as sociedades limitadas, podendo ser originária ou superveniente.

            Na constituição originária, uma pequena mudança: o pacto inicial, que nas sociedades limitadas exige contrato escrito, público ou particular, e pluralidade de sócios, na empresa individual exigirá não um contrato, mas uma declaração unilateral de vontade. Esta declaração poderá ser pública ou particular, devendo possuir, além dos requisitos básicos para a validade dos negócios jurídicos (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei), os inerentes à sociedade limitada, previstos no artigo 997 do Código Civil.

            Algumas diferenças podem inicialmente ser apontadas, tais como a desnecessidade de indicação da distribuição das quotas sociais, já que elas pertencerão a uma única pessoa, titular da totalidade delas. Fica mantida, todavia, a menção ao valor do capital social (nunca inferior a cem salários mínimos, necessidade de discutiremos em próxima oportunidade) e a forma de integralização (em dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação pecuniária).

            O nome empresarial, que se apresenta na forma de firma (razão social) ou denominação (nome fantasia), poderá ser utilizado amplamente, desde que ao final conste a expressão “Eireli”, como prescreve o artigo 980-A, § 1.º, do Código Civil; ou seja, poderá José da Silva, ao constituir uma empresa individual para venda de materiais para escritório, optar por utilizar tanto a sua razão social (firma), José da Silva Eireli, como o nome fantasia (denominação), Lojas S Eireli.

            A administração, no novo modelo societário, poderá ser materializada pelo único sócio, independente de previsão no ato constitutivo, ou por pessoa estranha à sociedade, um terceiro que poderá ser nomeado em ato separado, que deverá ser necessariamente arquivado junto à margem da inscrição da sociedade.

            No mais, as alterações sociais, ao contrário do regramento específico das sociedades limitadas, com quoruns prescritos para cada modalidade, dependerão exclusivamente da titular das quotas sociais, podendo a sua declaração inicial ser modificada ou aditada pela simples manifestação de vontade.

            Cumpre ressaltar, ainda na forma de constituição originária, que a pessoa natural somente poderá constituir uma única empresa individual de responsabilidade limitada, não podendo figurar como titular das quotas de outras da mesma espécie, por expressa vedação legal, presente no artigo 980-A, § 2.º, do Código Civil.

            Por outro lado, a constituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada de forma superveniente, decorrerá da transformação ou conversão de um outro modelo empresarial naquela, sendo possível a partir de duas premissas básicas.

            A primeira, quando houver concentração das quotas sociais em um único sócio, nos termos do artigo 980-A, § 3.º, do Código Civil. Assim, se uma sociedade limitada com dois sócios acaba com apenas um (quadro que a doutrina chama de unipessoalidade temporária), seja pela exclusão, morte ou apenas pelo interesse de um deles de se retirar, poderá o sócio remanescente requerer a transformação de sociedade limitada para empresa individual, mantendo o regime da limitação da responsabilidade.

            A segunda hipótese, a que pensamos que será mais comum a partir da vigência da lei, decorre de pedido do empresário individual (com responsabilidade ilimitada) para conversão para o novo modelo societário (com limitação de responsabilidade), como já acontece atualmente quando o empresário individual admite outros sócios, transformando-se em sociedade empresária, nos termos do artigo 968, § 3.º, do Código Civil.

            Se foram registrados mais de 9.000 empresários individuais apenas nos primeiros meses de 2011, segundo estatística da Junta Comercial do Paraná, parece certo que este número sofrerá franco declínio a partir de 2012, posto que os empreendedores buscarão o regime da limitação da responsabilidade, seja pela constituição de novas empresas individuais, seja pela conversão dos empresários individuais nestas, diminuindo os riscos da atividade empresarial.

            Destaque-se, por fim, que a busca pela limitação da responsabilidade vem de encontro aos anseios não só dos empreendedores, mas também da sociedade, já que, com a diminuição dos riscos, a tendência é que diminuam também os preços finais dos produtos ou serviços ao consumidor.

 

Daniel Fernando Pastre é  mestre em Direito. É advogado sócio do escritório Castardo, Milazzo & Pastre Advogados Associados e professor de Direito Empresarial na Faculdade Nacional de Educação e Ensino Superior do Paraná – FANEESP.

 

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