Empregado ou escravo?

Há seis milhões de empregados, a maioria empregadas, domésticos no Brasil.

É um número importante dentro da força de trabalho, mas apenas 1,8 milhão está no mercado formal. Os demais não têm carteira assinada e lhe são negados ou sonegados outros direitos que podem até não estar nos textos das leis, mas que são de evidente justiça. Falta a iniciativa legislativa, partindo do governo ou do Congresso, para que os empregados domésticos deixem de ser considerados, por muitos patrões, escravos domésticos.

O trabalho desses brasileiros não é igual ao dos outros, mas é um equívoco imaginar que é melhor e mais prazeroso. Há patrões e patroas que entendem que seus auxiliares devem ser tratados de forma digna e com respeito, mas ainda são muitos os que vão buscar na recém-abolida escravidão o norte para o estabelecimento dessas peculiares relações de trabalho. Há empregados que têm de ultrapassar em muito a jornada normal de trabalho dos demais trabalhadores. Há patroas e patrões que lhes negam a alimentação da mesma qualidade que, como senhores, consomem. Seus salários não raro sequer chegam ao mínimo de lei, não recebem vale-transporte e milhões não têm benefícios como férias remuneradas, 13.º e FGTS. São demitidos quando os patrões desejam e sem multa quando por causa injusta. Os trabalhadores abrigados na vetusta CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), quando demitidos sem justa causa, além de poderem levantar o FGTS, ainda fazem jus a uma indenização de 40% sobre o seu saldo.

Muitos justificam essa situação diferenciada e prejudicial aos empregados domésticos com o argumento que há os que moram no emprego e o plus que recebem, geralmente por imposição dos patrões, seria a paga extra pelas jornadas com horas extraordinárias não remuneradas. Recebem moradias que quase sempre são quartinhos de tamanho mínimo, que evidenciam a desumana segregação que se faz com a colaboração até dos que projetam as residências. Passaram-se muitos anos desde a abolição da escravatura e ainda persistem semelhanças entre a relação escravo-senhor e empregado-patrão.

No governo Lula, por medida provisória, foi aprovado pelo Congresso um pequeno avanço. Os patrões que registrarem e pagarem o INSS de seus empregados domésticos passaram a ter o benefício ínfimo e pouco entusiasmante de poder descontar o montante gasto no Imposto de Renda a pagar, desde que referente só a um empregado e dentro de um ganho de apenas um salário mínimo. Os patrões que pagam mais que um mínimo não terão esse benefício sobre o excedente. Os benefícios de FGTS, multa por demissão sem justa causa e sindicalização constavam de outra MP que compensava os patrões com novos descontos limitados no IR. O Congresso buscou aumentar os benefícios, mas o governo, no dizer do ministro Nelson Machado, da Previdência, vai vetar os que tornariam o avanço substancial. O governo argumenta que o objetivo de dar algumas quireras de direitos aos domésticos não visa a justiça para a categoria, mas o aumento da massa de empregados com carteira assinada. Os do chamado mercado formal. Aí, a fome oficial de mais impostos e contribuições…

Com esse veto, os direitos que se tentou conquistar a mais para os injustiçados empregados domésticos ficam para depois. Para o governo que vem, ou o seguinte, ou talvez daqui a um século, como aconteceu os que minimamente são hoje concedidos. E há muitas desculpas esfarrapadas, dentre elas a reacionaríssima e economicamente insustentável da possibilidade de ocorrer dispensas em massa.

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