Eficácia e extensão das súmulas vinculantes

Súmula é a síntese de um entendimento jurisprudencial extraída de reiteradas decisões no mesmo sentido. Normalmente são numeradas. Desde a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) as súmulas podem ser classificadas em (a) vinculantes e (b) não vinculantes. Em regra (aliás, todas as vigentes até hoje) não são vinculantes. Para serem vinculantes devem seguir rigorosamente o procedimento descrito no art. 103-A da CF (inserido na Magna Carta pela EC 45/2004). As principais questões que envolvem as súmulas vinculantes são as seguintes:

(a) somente o STF pode aprová-las; nenhum outro tribunal do país pode fazer isso. Se o STF quiser transformar alguma súmula já editada (não vinculante) em vinculante, terá que seguir o novo procedimento constitucional. Súmula vinculante e súmula impeditiva de recurso: a vinculante só pode ser emitida pelo STF; a impeditiva de recurso poderá ser criada pelo STJ ou TST (já houve aprovação dessa matéria na Câmara dos Deputados; resta passar pelo crivo do Senado); a súmula vinculante vincula inclusive o juiz (que é obrigado a respeitá-la); a impeditiva não limita (não engessa) a atividade jurisdicional, podendo o juiz decidir contra a súmula; caso, entretanto, decida de acordo com seu sentido, não caberá recurso especial (nem para o STJ nem para o TST). Interposto o REsp o STJ ou TST vai examinar o seu mérito e só pode decidir contra a sua súmula (acompanhando a decisão do juiz) se porventura cancelá-la;

(b) o STF pode agir de ofício ou por provocação: a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser fruto de atividade espontânea do próprio STF ou provocada por aqueles que podem propor a ação direta de constitucionalidade CF, art. 103; lei futura, que cuidará da matéria, pode ampliar esse rol de legitimados a propor a aprovação, revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes;

(c) aprovação por 2/3 dos membros do STF: para aprovação ou revisão ou cancelamento de uma súmula vinculante exige-se quorum qualificado (dois terços: leia-se: oito ministros do STF);

(d) depois de reiteradas decisões no mesmo sentido: caberá à lei futura dizer quantas decisões são necessárias para se concluir que houve reiteração; a partir daí pode-se editar uma súmula vinculante;

(e) sobre matéria constitucional (isto é, sobre norma constitucional): mas cada norma constitucional afeta uma área do conhecimento jurídico. Logo, teremos súmulas vinculantes constitucionais penais, processuais, trabalhistas, tributárias, comerciais etc.;

(f) acerca da qual haja controvérsia atual: a controvérsia gerada pela norma constitucional tem que ter atualidade, tem que ser relevante no momento em que se decide pela criação da súmula;

(g) entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública: a controvérsia tem que envolver órgãos judiciários diversos (dois tribunais, por exemplo) ou um órgão judiciário e a administração pública. Divergência só entre órgãos da administração pública não permitirá a aprovação de súmula vinculante;

(h) e que acarrete insegurança jurídica: a controvérsia instalada em torno da interpretação de uma norma está gerando insegurança jurídica (e, com isso, certamente, causando prejuízos diversos);

(i) bem como multiplicação de processos sobre questão idêntica: na verdade, a multiplicação de processos deve girar em torno da mesma norma constitucional controvertida;

(j) súmula com efeito vinculante: isso significa que vinculante é não somente o sentido da súmula (o seu teor interpretativo-descritivo e imperativo), senão também os fundamentos invocados para a sua aprovação. Os fundamentos lançados nas várias decisões que autorizaram a criação da súmula também são vinculantes. Não se pode confundir eficácia erga omnes com efeito vinculante: eficácia erga omnes é a eficácia da decisão em relação a todos (não se refere aos fundamentos da decisão); efeito vinculante: é a eficácia de decisão assim como dos fundamentos da decisão (ou, no caso das súmulas: é a eficácia do sentido interpretativo e imperativo da súmula, mais a vinculação dos fundamentos que levaram a essa súmula). Ninguém pode questionar (em casos concretos) nem o sentido interpretativo e imperativo da súmula nem os fundamentos invocados para se chegar a ela;

(l) eficácia da súmula depois da sua publicação na imprensa oficial: a vigência da súmula é imediata, isto é, ocorre logo após a sua publicação na imprensa oficial;

(m) a súmula vincula os demais órgãos do Poder Judiciário (vincula todos os juízes, os tribunais e até mesmo as Turmas do próprio STF) assim como a administração pública, direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Como se nota, todos os órgãos do Executivo também estão vinculados. Mas ela não vincula, entretanto, o Poder Legislativo em suas funções típicas, isto é, ele pode, por emenda constitucional, aprovar novo texto contra o sentido da súmula. E se a emenda constitucional for inconstitucional? Cabe ADIn contra ela e, nesse caso, é o STF que vai julgar a emenda inconstitucional; com isso a súmula continua tendo eficácia, normalmente; o Poder Legislativo como administração (em sua vida burocrática, orçamentária etc.) também fica vinculado à súmula vinculante;

(n) as súmulas podem ser revisadas ou canceladas na forma estabelecida em lei. A lei dirá (ainda não existe essa lei) como será feita a revisão e o cancelamento de uma súmula. A norma que cuida da súmula vinculante (CF, art. 103-A) seria hoje auto-aplicável? Há controvérsia. O regimento interno do STF cuida da aprovação de súmulas, mas ficou defasado depois da EC 45/2004. Logo, melhor entendimento será: sem lei versando sobre o tema não pode o STF aprovar súmula vinculante. É preciso aguardar lei futura porque muitos pontos (decisões reiteradas, insegurança jurídica etc.) previstos na constituição configuram conceitos abertos (porosos, pendentes de interpretação e de definição). Se as súmulas vinculantes destinam-se a evitar a insegurança jurídica, não se pode concebê-las precisamente quando há insegurança em relação à sua aprovação, revisão ou cancelamento;

(o) características essenciais da súmula vinculante: (a) imperatividade (imposição de um determinado sentido, que deve ser acolhido de forma obrigatória) e (b) coercibilidade (se não observada essa interpretação cabe reclamação ao STF, sem prejuízo de futuras e eventuais sanções, que podem ser previstas em lei). Não importa quem inobserva a súmula vinculante: Judiciário ou Executivo (cabe reclamação em ambas as hipóteses). Julgada procedente a reclamação, determinará o STF o efetivo cumprimento da sua súmula;

(p) o juiz, quando acolhe a súmula vinculante, deve fundamentar a sua decisão? Sim, deve demonstrar que os fundamentos do caso concreto que está sob seu exame coincidem com os fundamentos das decisões que autorizaram a criação da súmula vinculante. Mas o juiz não pode decidir contra a súmula. Se fizer isso, cabe reclamação ao Supremo, que anulará o ato do juiz. O juiz, como se vê, não conta com nenhuma margem de atuação eficaz. Tudo que fizer contra a súmula, não terá valor (porque o STF vai cassar esse ato);

(q) cabe ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade contra súmula vinculante? Não, porque as súmulas vinculantes não são formalmente lei ou ato normativo. Caso uma súmula venha a perder sentido, será a hipótese de sua revisão ou cancelamento. Caso não esteja sendo observada, é a hipótese de reclamação. Não sendo a súmula ato normativo (sim, só interpretativo), fica claro que ela não é fonte imediata do direito (é só fonte mediata, porque, no fundo, é uma jurisprudência sumulada).

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente do PRO OMNIS-IELF (Rede Brasileira de Telensino 1.ª do Brasil e da América Latina www.telensino.com.br)

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