Produtores e políticos querem mudar MP

Um dia depois de receber a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a medida provisória 223, que libera o plantio da soja transgênica na safra 2004/2005, já sofreu uma enxurrada de críticas de produtores rurais e políticos. “A MP reproduz a anterior e não altera nada porque autoriza o plantio por aqueles produtores que já estavam plantando, para eles não perderem as sementes. Isto não funciona aqui, só no Rio Grande do Sul”, criticou o governador Roberto Requião.

Publicada ontem no Diário Oficial da União, a MP põe fim à discussão que vinha se arrastando há meses, mas o texto gerou reclamações. “A medida provisória não é boa para nós, porque restringe o plantio de transgênicos àqueles que já plantaram no ano passado e assinaram o termo de responsabilidade”, avalia o assessor econômico da Federação da Agricultura no Paraná (Faep), Carlos Albuquerque. “Esperávamos que o governo fosse liberar o plantio de transgênicos de forma ampla. Tem mais gente plantando sementes geneticamente modificadas do que aqueles 574 produtores que assinaram o termo de compromisso no ano passado (no Paraná).”

O presidente da Faep, Ágide Meneguette, encaminhou documento ao presidente Lula, ao ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues e aos deputados federais e senadores do Paraná, solicitando a inclusão de uma anistia para todos os produtores que vinham utilizando de maneira ilegal as sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina. “Tem muita gente que vai plantar semente transgênica e vai se manter na ilegalidade, porque só poderão assinar o termo de compromisso aqueles que o fizeram no ano passado”, afirma Albuquerque. “Vai acontecer o mesmo que no ano passado: eles vão plantar transgênicos e, para dar vazão à produção, irão misturar ao lote convencional.”

Para Albuquerque, outro agravante no Paraná é que o governo do Estado é contra a produção transgênica. “Se o governo do Estado quiser intervir em uma área onde o produtor não puder apresentar a via de responsabilidade do ano passado, a produção será confiscada.” Em 2003, a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento interditou 31 áreas com plantações de soja transgênica, que totalizaram quase 500 hectares.

Desta vez o governo decidiu não incluir na MP o item que permitia ao Ministério da Agricultura excluir determinadas regiões do cumprimento das regras, declarando-as áreas livres de transgênicos.

Ilusão

O governador do Paraná, Roberto Requião, disse ontem pela manhã em Maringá, durante a Festa do Plantio da Safra 2004/05, que os produtores não devem se deixar iludir com o cultivo de transgênicos. Segundo ele, a MP assinada pelo presidente Lula não libera o plantio. Ele repetiu várias vezes a palavra “porcaria” para adjetivar a soja transgênica, enfatizando que seu governo não vai admitir o embarque de produto geneticamente modificado pelo Porto de Paranaguá.

Requião alertou ainda os produtores paranaenses contra os riscos que envolvem a opção pelo plantio de soja geneticamente modificada e lembrou que a decretação do Estado como área livre de transgênicos está prevista na primeira medida provisória. ?O presidente Lula se comprometeu a apoiar esta decisão do Estado, mas o ministro da Agricultura disse que havia soja transgênica no Paraná. Nós pedimos a relação dos interessados e ela nos foi negada. Há uma pressão muito grande para introduzir esta soja no Estado?, alertou.

Erro gravíssimo

Para o senador Osmar Dias (PDT/PR), a medida provisória que libera os transgênicos contém um erro gravíssimo e extremamente prejudicial às empresas de pesquisa do País. “O artigo 7, inciso 2.º, simplesmente avaliza o uso de sementes contrabandeadas e impede as empresas nacionais de pesquisa , como a Codetec, do Paraná, a Embrapa e a Fundação Mato Grosso de comercializarem suas sementes. O artigo e seu inciso permitem a comercialização apenas do que está estocado.” Na próxima semana, o senador pretende conversar com o ministro Aldo Rebelo e com o líder do governo no Senado, senador Aloísio Mercadante, para tentar encontrar uma solução, ampliando a MP para que as empresas nacionais possam produzir sementes.

A área jurídica da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados também se prepara para elaborar uma emenda, que trata igualmente da multiplicação das sementes. “Vamos incluir uma emenda autorizando a produção e multiplicação das sementes transgênicas”, disse o presidente da comissão, Leonardo Vilela (PP-GO). O parlamentar explicou que a regra atual, que proíbe a multiplicação, “premia os contrabandistas de sementes e quem comercializa produto pirata.”

Medida Provisória n.º 223, de 14 de outubro de 2004

Estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2005, e dá outras providências

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA,

no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1.º

Às sementes da safra de soja geneticamente modificada de 2004, reservadas pelos agricultores para o uso próprio, consoante os termos do art. 2.º, inciso XLII, da Lei n.º 10.711, de 5 de agosto de 2003, e que sejam utilizadas para plantio até 31 de dezembro de 2004, não se aplicam as disposições:

I –

dos incisos I e II do art. 8.º e do caput do art. 10 da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, relativamente às espécies geneticamente modificadas previstas no código 20 do seu Anexo VIII;

II –

da Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória n.º 2.191-9, de 23 de agosto de 2001; e III – de vedação de plantio de que trata o art. 5.º da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

Parágrafo único.

É vedada a comercialização do grão de soja geneticamente modificado da safra de 2004 como semente, bem como a sua utilização como semente em propriedade situada em Estado distinto daquele em que foi produzido.

Art. 2.º

Aplica-se à soja colhida a partir das sementes de que trata o art. 1.º o disposto na Lei n.º 10.688, de 13 de junho de 2003, restringindo-se sua comercialização até 31 de janeiro de 2006, inclusive.

§ 1.º

O prazo de comercialização de que trata o caput poderá ser prorrogado por até sessenta dias mediante ato do Poder Executivo.

§ 2.º

O estoque existente após a data estabelecida no caput deverá ser destruído, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2006.

Art. 3.º

Os produtores abrangidos pelo disposto no art. 1.º, ressalvado o disposto nos arts. 3.º e 4.º da Lei n.º 10.688, de 2003, somente poderão promover o plantio e comercialização da safra de soja do ano de 2005 se subscreverem Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, conforme regulamento, observadas as normas legais e regulamentares vigentes.

Parágrafo único.

O Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, de uso exclusivo do agricultor e dos órgãos e entidades da administração pública federal, será firmado até o dia 31 de dezembro de 2004 e entregue nos postos ou agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, nas agências da Caixa Econômica Federal ou do Banco

do Brasil S.A.

Art. 4.º

O produtor de soja geneticamente modificada que não subscrever o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3.º ficará impedido de obter empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR, não terá acesso a eventuais benefícios fiscais ou creditícios e não será admitido a participar de programas de repactuação ou parcelamento de dívidas relativas a tributos e contribuições instituídos pelo Governo Federal.

§ 1.º

Para efeito da obtenção de empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR, o produtor de soja convencional que não estiver abrangido pela Portaria de que trata o art. 4.º da Lei n.º 10.814, de 2003, ou não apresentar notas fiscais de sementes certificadas, ou certificação dos grãos a serem usados como sementes, deverá firmar declaração simplificada de “Produtor de Soja Convencional”.

§ 2.º

Para os efeitos desta Medida Provisória, soja convencional é definida como aquela obtida a partir de sementes não geneticamente modificadas.

Art. 5.º

Ficam vedados o plantio e a comercialização de sementes relativas à safra de grãos de soja geneticamente modificada de 2005.

Art. 6.º

Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na legislação vigente, os produtores de soja geneticamente modificada, que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por cruzamento, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa.

Art. 7.º

Fica autorizado para a safra 2004/2005 o registro provisório de variedade de soja geneticamente modificada no Registro Nacional de Cultivares, nos termos da Lei n.º 10.711, de 5 de agosto de 2003, sendo vedada, expressamente, sua comercialização como semente.

§ 1.º

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério do Meio Ambiente promoverão o acompanhamento da multiplicação das sementes previstas no caput mantendo rigoroso controle da produção e dos estoques.

§ 2.º

A vedação prevista no caput permanecerá até a existência de legislação específica que regulamente a comercialização de semente de soja geneticamente modificada no País.

Art. 8.º

A Comissão de que trata o art. 15 da Lei n.º 10.814, de 2003, acompanhará e supervisionará o cumprimento do disposto nesta Medida Provisória.

Art. 9.º

Aplica-se a multa de que trata o art. 7.º da Lei n.º 10.688, de 13 de junho de 2003, aos casos de descumprimento do disposto nesta Medida Provisória e no Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3.º desta Medida Provisória, pelos produtores alcançados pelo art. 1.º.

Art. 10.º

Para os fins desta Medida Provisória, aplica-se o disposto nos art. 4.º, 6.º, 7.º, 10 e 11 da Lei n.º 10.814, de 2003.

Art. 11.º

Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 14 de outubro de 2004; 183.º da Independência e 116.º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República

ROBERTO RODRIGUES
Ministro da Agricultura

Fiscalização no Paraná continua

O Departamento de Fiscalização (Defis) da Secretaria da Agricultura alerta que a MP transfere aos agricultores toda a responsabilidade por qualquer dano a terceiros ou ao meio ambiente. A Secretaria da Agricultura informou que vai fiscalizar rigorosamente o comércio de sementes e de grãos, para verificar se o comerciante ou produtor está ou não comercializando grãos para serem usados como sementes. O trânsito de caminhões com soja também será fiscalizado nos 28 postos fixos de classificação da Claspar. No Porto de Paranaguá, o governo diz que não vai embarcar carga transgênica. Lavouras irregulares serão interditadas e a Secretaria da Agricultura vai oferecer denúncia ao Ministério da Agricultura.

Greenpeace condena MP

Segundo a organização de ambientalistas, “o maior problema de mais esta MP é que até hoje, sequer foram apresentados os estudos de impacto da soja transgênica sobre o meio ambiente”. O Greenpeace cita que, além disso, a edição da 3.ª MP que libera o produto no País fere uma decisão judicial do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília. O TRF determinou que o plantio de soja transgênica permaneceria ilegal no Brasil enquanto a empresa responsável pela tecnologia não apresentasse os devidos estudos de impactos ambientais. “É um desrespeito à sociedade brasileira permitir que um transgênico que não passou por uma avaliação ambiental adequada no País, possa continuar sendo cultivado”, disse a bióloga Gabriela Couto, do Greenpeace.

Marina nega saída do governo

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que tem a garantia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o governo vai se empenhar para aprovar no Congresso Nacional o projeto aprovado na Câmara e relatado pelo deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) que devolve a seu ministério os poderes de fiscalização e liberação da comercialização de produtos transgênicos. Ela disse ainda, que o presidente editou a MP porque “estava premido pelas circunstâncias”. Ela negou qualquer possibilidade de deixar o governo, em função da assinatura da MP pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Tenho total lealdade ao presidente da República e nunca manifestaria qualquer posição em relação a isso que não fosse ao próprio presidente.”

Rodrigues destaca legalidade

Para o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, a edição da MP “é uma vitória do governo brasileiro e, sobretudo, dos produtores rurais, que ficam legalmente garantidos para o futuro”. O ministro considera “uma bobagem” as declarações de que um ou outro ministro teria saído vitorioso ou derrotado em relação a essa questão. “Há sempre um esforço de se jogar um ministro contra o outro, mas o que houve foi uma discussão técnica e intensa e vamos continuar trabalhando muito próximos na Lei de Biossegurança.” Segundo ele, o governo cumpriu o compromisso feito há semanas de que não deixaria o agricultor sem um marco legal para produzir com tranqüilidade. “O importante é que o plantio da soja dentro da legalidade está garantido.”

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