Países ricos produzem miséria nos pobres

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula com o presidente da comissão européia: subsídios ilegais e imorais.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva acusou a União Européia, os Estados Unidos e outras economias desenvolvidas de ?viciar? agricultores ineficientes com a concessão de subsídios e, com isso, produzir ?pobreza? no mundo em desenvolvimento.

Em discurso na segunda sessão de trabalho da Cimeira União Européia-América Latina-Caribe, Lula indagou: ?Até quando vamos tolerar essa situação perversa??. Depois, afirmou que ?cresce, na comunidade internacional, o sentimento de que os subsídios agrícolas, que já sabíamos serem imorais, são também ilegais. Os países que mantêm esses privilégios estão, na verdade, produzindo pobreza nos países em desenvolvimento?. Depois, Lula disse que ?(os subsídios) viciam os agricultores ineficientes dos países mais ricos e penalizam os consumidores mais pobres em todo o mundo?.

Lula valeu-se do tema central da Cimeira de Viena, o combate à pobreza e a coesão social, para apontar as contradições do discurso das economias mais desenvolvidas – que dizem estar empenhadas na redução da miséria, embora a agravem ao conceder subsídios e ao proteger seus mercados agrícolas.

Depois de repetir os feitos de seu governo na redução da miséria no Brasil, o presidente insistiu que o aumento do comércio internacional é um dos principais meios de ?atacar a fome e a pobreza?, mas que é necessário ?corrigir os profundos desequilíbrios? nas trocas entre as nações. ?O protecionismo agrícola dos países ricos é uma das formas mais injustas de depressão das condições de vida do mundo em desenvolvimento?, atacou.

O presidente disse compreender as dificuldades políticas de alguns países em fazer as reformas necessárias (em suas políticas agrícolas), mas, destacou, ?a fome e a pobreza não podem ser o preço a pagar.?

Lula conclamou os líderes presentes a buscarem desbloquear as negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio(OMC) e informou que fará apelo semelhante durante a reunião do G8 (as economias mais ricas somadas à Rússia), marcada para julho, em São Petersburgo, Rússia. O presidente voltou a defender sua proposta de organizar um encontro de líderes de países influentes nas discussões da OMC, já que ?as negociações em Genebra (onde está a sede da OMC) não estão produzindo os resultados esperados?.

O presidente lembrou que os ?prazos acordados não foram cumpridos. Os riscos são evidentes. Não há tempo a perder. Convoco todos os líderes a se juntarem nesse esforço?.

Ao destacar que é preciso manter o nível elevado da rodada, Lula voltou a declarar que o Brasil está pronto para ampliar concessões comerciais nos setores industrial e de serviços. Mas ressaltou que essa atitude depende de movimentos satisfatórios das economias desenvolvidas na área da agricultura.

Sublinhou ainda que a ?principal responsabilidade recai sobre os países ricos? e que as propostas dos emergentes e mais pobres nunca serão capazes de destravar as negociações.

Repetiu, por fim, sua máxima de que as concessões devem ser proporcionais ao nível de desenvolvimento dos países envolvidos. ?Não se pode aceitar pretextos para o imobilismo?, afirmou. ?Os países ricos deverão fazer os maiores gestos. Os países em desenvolvimento darão passos significativos, segundo suas possibilidades. E os países mais pobres dentre os pobres não terão custo algum?, receitou.

Presidentes se afastam e cúpula é cancelada

Viena (AE) – A reunião de líderes do Mercosul e da União Européia agendada para hoje e que teria o objetivo de tentar retomar as negociações de um acordo comercial não vai mais ocorrer. Três presidentes dos quatro países membros do bloco sul-americano – Tabaré Vazquez, do Uruguai, Nestor Kirchner, da Argentina, e Nicanor Duarte, do Paraguai – decidiram não participar do encontro que deveria acontecer após o encerramento da Cimeira da União Européia-América Latina-Caribe, em Viena.

Como sobraria apenas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para participar pelo lado do Mercosul, a única saída encontrada pelos diplomatas foi rebaixar o encontro para um nível ministerial.O incidente é o sinal mais evidente da mais séria crise enfrentada pelo Mercosul desde a sua criação há quinze anos. Ele acentua também o ceticismo entre os europeus de que o bloco sul-americano não terá condições de retomar nos próximos anos uma unidade política suficiente que viabilize um acordo comercial.

Vazquez foi o primeiro presidente a anunciar no início desta semana que não participaria do encontro. Segundo fontes diplomáticas, ele se recusa a se encontrar frente a frente com Kirchner por causa da disputa entre os dois países em torno da instalação de uma fábrica de celulose em território uruguaio.

O clima entre os dois presidentes é tão ruim que ontem, durante a tradicional foto de família que reuniu os cerca de sessenta chefes de Estado e governo que participam do encontro em Viena, os dois não se cumprimentaram. Além disso, o governo uruguaio está negociando um acordo comercial com os Estados Unidos e já avisou que, se necessário, abandonará o Mercosul para implementá-lo.

Os motivos para decisão do presidente paraguaio decidir também não participar do encontro com os europeus ainda não estão claros. Mas foi o que faltava para o Kirchner tomar a mesma atitude. Segundo o presidente argentino, ?não faria sentido? uma reunião com apenas dois presidentes.

Já estava claro que a reunião dos líderes do Mercosul e União Européia não resultaria em avanços concretos, pois eles dependem da conclusão da rodada multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), que vive um impasse. Mas a expectativa entre os europeus era de que o encontro poderia pelo menos revitalizar as perspectivas futuras de um acordo, através de um comunicado incisivo garantindo o compromisso dos dois blocos em concluir as negociações.

A reunião ministerial deverá resultar numa declaração final com um tom de compromisso mútuo com o progresso nas negociações. Mas, como definiu um diplomata argentino, ?ela servirá apenas para tentar salvar as aparências?.

Os europeus temem que a aproximação de Chávez com o Mercosul inviabilize de vez o bloco.

A presença da Venezuela, sob a ótica de Bruxelas, poderia ?politizar? o bloco. A crise deflagrada pelo presidente venezuelano na Comunidade Andina impossibilitou a abertura das negociações daquele bloco com a União Européia. ?Nós continuamos dispostos a negociar com a Comunidade Andina, mas cabe a eles decidirem se querem ou não?, disse a comissária européia para relações externas, Benita Ferrero-Waldner. Ela ressaltou que os resultados positivos dos acordos comerciais bilaterais firmados entre a União Européia e o México e Chile mostram a importância dessas negociações. Nos últimos cinco anos, o comércio bilateral entre a Europa e o México cresceu 75%.

Diante de uma América do Sul fragmentada, a única notícia positiva anunciada por Bruxelas foi a abertura de negociações para a criação de uma área de livre comércio entre a Europa e a América Central.

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