Nova Lei de Falências substitui a concordata

A nova Lei de Falências, sancionada anteontem à noite pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, substitui a concordata pela recuperação judicial. Pela lei anterior, vigente desde 1945, o empresário em dificuldades entrava com o pedido de concordata para ganhar tempo e tentar negociar suas dívidas. No entanto, esse instrumento não era flexível o suficiente a ponto de permitir que uma empresa saísse do vermelho e voltasse a funcionar normalmente. Na prática, portanto, o instrumento funcionava para que a empresa se preparasse para a falência.

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que participou de reunião com o presidente Lula, o vice-presidente José Alencar e o ministro José Dirceu, destacou que o foco da nova lei será a recuperação das empresas, ao passo que os processos de falência deverão ser agilizados.

Segundo o ministro, a lei anterior, que completaria sessenta anos em 2005, era focada na falência das empresas e não na sua recuperação. "Vamos passar a viver, com essa nova lei, um novo modelo de recuperação, uma sistemática mais modernizada e mais atual de processos de recuperação que dá à empresa e a seus credores critérios judiciais e extra-judiciais adequados para a recuperação. Com isso, eu penso que nós vamos mudar a história de recuperação de ativos no Brasil", afirmou Palocci.

Recuperação

Agora, com a recuperação judicial, os empresários poderão negociar com os seus credores o parcelamento e o prazo de pagamento de suas dívidas. Caso não consiga, de forma amigável, acertar prazos razoáveis para todas as partes, o processo será supervisionado por um juiz.

Nesse processo de recuperação judicial, a empresa terá 180 dias para sair do vermelho e contará, para isso, com um comitê de recuperação, composto por empregados, credores e controladores. Se todas as possibilidades para a recuperação da empresa forem esgotadas sem sucesso, os credores poderão entrar com o pedido de decretação de falência da empresa.

Caso a falência da empresa seja realmente irreversível, a lei permitirá a negociação de prazos para o pagamento das dívidas e estabelece que os empregados terão preferência no pagamento de salários atrasados e direitos trabalhistas no limite de 150 salários mínimos.

A lei anterior não definia uma limitação para os créditos dos trabalhadores, o que, de acordo com os parlamentares envolvidos na discussão da nova lei, levava empresários a contratar "empregados-laranja". Assim, todas as dívidas trabalhistas eram pagas a esses contratados e o dono da empresa recuperava todo o dinheiro de volta, deixando para trás dívidas com bancos, fornecedores e com o governo.

Depois de pagar as dívidas com os funcionários, a empresa terá de saldar suas contas com os bancos – também uma inovação da lei sancionada ontem. Com isso, o governo espera conceder mais garantias às instituições financeiras na hora de fornecer empréstimos a empresários.

Os senadores, responsáveis pela inovação, esperam a redução do custo das operações de crédito, o chamado spread bancário. Por fim, na ordem de prioridade, aparece o governo e o pagamento pelas empresas das dívidas em impostos e contribuições.

Terminado o processo de pagamento das dívidas, um outro grupo interessado pode comprar a massa falida e renovar as atividades da empresa. A marca seria mantida e empregos poderiam ser preservados. Para facilitar esse processo, a nova lei define que os compradores não são obrigados a honrar as dívidas fiscais deixadas para trás pelo antigo empresário. Quem pagar para ficar com os negócios já encontrará uma empresa saneada.

Skaf espera efeito sobre a taxa de juros

O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, disse que a sanção da nova Lei de Falências deverá promover uma redução dos spreads bancários (diferença entre a taxa de captação e a cobrada na ponta pelos bancos). Segundo ele, a nova lei reduz os riscos das operações de crédito, ao priorizar o pagamento das dívidas bancárias garantidas por bens móveis e imóveis, em caso de falência.

Pela nova lei, a ordem de prioridade de pagamento, em caso de falência, é: dívidas trabalhistas até R$ 39 mil, dívidas bancárias e dívidas tributárias. Antes, as dívidas bancárias estavam em terceiro lugar na ordem de pagamento e não havia limitação para as trabalhistas.

"Os spreads e juros precisam cair. Precisam cair hoje, cair imediatamente. Há muito tempo os bancos reclamavam essas mudanças para diminuir as taxas. Agora, não há mais desculpas", disse ele, ontem.

Segundo Skaf, a redução dos spreads será benéfica para "a indústria, para o Brasil e toda a sociedade".

Estudo da Fiesp mostra que os brasileiros gastam R$ 118 bilhões por ano em juros. Desse total, R$ 73 bilhões referem-se aos spreads bancários.

Se o spread brasileiro fosse igual ao valor médio dos latino-americanos (Chile, Argentina, México, Colômbia e Venezuela), o gasto anual com esse item seria de R$ 16 bilhões. Ou seja, uma economia de R$ 57 bilhões só com spreads.

"O excesso de spread retira 3,5% do PIB do consumo e investimento das famílias e empresas. Isso poderia estar proporcionando mais bem-estar social, consumo e investimento", disse Skaf.

Lei vem atender demanda da sociedade

"A lei vem atender a demanda da sociedade empresária moderna." A frase é do advogado Eduardo Ferraz Guerra, da Pactum-Consultoria, pós-graduado em Direito Empresarial, comentando a sanção, anteontem à noite, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da nova Lei de Falências.

A lei até então vigente é de 1945. Para Guerra, a principal inovação da Lei de Falências é a mudança do próprio conceito. "A legislação anterior previa a retirada das empresas que não tinham condições de sobreviver no mercado. Já o conceito da nova legislação é a manutenção da empresa, com vistas para a manutenção de empregos, da receita tributária, da própria produção e de outras questões indiretamente relacionadas, como cadeias de fornecimento, distribuição", explicou. Segundo o advogado, outra inovação são as alternativas de recuperação oferecidas à empresa que passa por dificuldades financeiras. "A lei anterior previa apenas a dilação do prazo da dívida para dois anos, deixando os credores num plano subjetivo. Agora, o credor tem voz ativa, tanto na recuperação judicial como na extrajudicial, e há alternativas para evitar a falência, como a cisão da empresa, incorporação, substituição total ou parcial de administradores, aumento de capital", afirmou.

De acordo com Guerra, com tantas alternativas que visam a recuperação da empresa, o número de casos de falência deve cair substancialmente. "Hoje, aproximadamente 20% das empresas em concordata conseguem se recuperar. Agora, as chances de recuperação aumentaram e podem chegar a 60%", apontou.

Para o advogado, pontos negativos na nova lei, por enquanto, ainda não são visíveis. "Ainda é cedo para dizer se há pontos negativos. É possível afirmar apenas que se trata de uma lei moderna, que vem atender o clamor dos empresários."

Contrapé

Na outra ponta, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho, teceu ontem uma série de críticas à nova lei, entre elas a limitação do crédito trabalhista, fixado em 150 salários mínimos. "Quando uma empresa entra em processo de falência, normalmente já vem deixando de pagar aos seus trabalhadores alguns direitos como férias, 13.º, horas extras. Um empregado que tenha salário de R$ 2 mil, por exemplo, não é nada fora da realidade supor que ele tenha a receber R$ 60 a R$ 70 mil em créditos trabalhistas", afirmou Coutinho. Pela nova lei, ficou definido o teto de pagamento de 150 salários mínimos por trabalhador, em caso de falência da empresa, o equivalente a R$ 39 mil, nos valores de hoje. (Lyrian Saiki)

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