Mesmo sem avanços, Brasil cresceu na OMC

Brasília –  Embora as propostas defendidas pelo Brasil não tenham avançado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou como positivo para os países em desenvolvimento o resultado da reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), realizada em Cancún, no México. Para Lula, esse será o século em que a América do Sul deixará de ser simbolizada no mundo como uma parte da pobreza.

“Não conseguimos aprovar o que queríamos, mas não permitimos que eles (Estados Unidos e União Européia) aprovassem o que queriam, que era consolidar a política de subsídios deles. Queremos uma política de comércio exterior em que possamos ser tratados com igualdade e termos oportunidade de competir livremente”, disse o presidente.

Para Lula, o G-21 – grupo formado por 21 países em desenvolvimento que encaminhou propostas para a reunião da OMC – conseguiu travar uma luta comercial com os blocos desenvolvidos, que são muito duros nas negociações.

O presidente acredita que deva aumentar a quantidade de países em desenvolvimento como integrantes desse grupo.

Com sapato

Lula também acha que a diplomacia brasileira e de outros países em desenvolvimento está aprendendo a valorizar suas posições na mesa de negociação.

“Resolvemos deixar de ser tratados como pequenos. Ninguém respeita quem vai negociar de cabeça baixa ou representante de Estado que tira sapato no aeroporto para entrar em países dos outros”, afirmou.

Lula não citou nomes, mas o ex-chanceler brasileiro Celso Lafer foi em fevereiro do ano passado – ou seja, durante o governo Fernando Henrique Cardoso – obrigado a tirar seu sapato pela equipe de segurança em um aeroporto dos EUA.

Diplomatas do Brasil queixaram-se ao Departamento de Estado alegando que o episódio fere princípios do direito internacional e regras de protocolo.

África

Lula revelou que pretende estabelecer uma nova relação com os países africanos e árabes e que, em dezembro, estará cumprindo uma agenda de viagens para alinhavar acordos entre as nações árabes e da América do Sul.

“Trata-se de um continente que tem um modelo extraordinário investido em outros países e uma parte desse dinheiro poderia vir para a América do Sul”, afirmou.

América do Sul e Mercosul

O presidente Lula defendeu a maior articulação entre os países da América do Sul, que estiveram muito mais voltados para os Estados Unidos e a União Européia.

“Queremos aprimorar essa relação (EUA e UE), mas precisamos também fortalecer aqueles que estão próximos de nós e recuperar o prestígio do Mercosul. Precisamos trazer outros países para o bloco, como a entrada do Peru, e esperamos até o final do ano da Venezuela e da Colômbia”, disse.

Lula disse que o momento é de se cuidar da integração física da América do Sul, criticando que hoje, para se viajar entre os países da região, é preciso fazer conexão em Miami.

“Portanto, se for um homem de negócios, acaba desistindo e fazendo negócio por lá ao invés de enfrentar essas dificuldades para vir aqui. Temos 24 projetos de infra-estrutura que serão apresentado em outubro, quando pretendo reunir os presidentes dos países da América do Sul.”

Organização perdeu a credibilidade

Brasília

(AE) – O fracasso das negociações em Cancún colocou na berlinda a credibilidade da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O desastre de Seattle e o fato de não ter havido êxito em Cancún colocam a OMC em xeque”, afirmou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, relacionando o encontro terminado anteontem à igualmente frustrada reunião ministerial realizada na cidade norte-americana de Seattle, em 1999.

A rodada atual teve origem na Rodada Doha, no Catar, em novembro de 2001, cujo resultado foi na época considerado um avanço, pelos países em desenvolvimento, por incluir na agenda a discussão do comércio de produtos agrícolas. Mas só 20 dias antes da reunião de Cancún a União Européia e os Estados Unidos apresentaram uma proposta de negociação.

“É um absurdo o que aconteceu. Ficamos com um mandato de negociação suspenso por quase dois anos. Os esforços dos negociadores foram inutilizados pela posição intransigente dos países desenvolvidos”, afirmou Rodrigues, em entrevista por telefone a jornalistas brasileiros.

Alca

O ministro considerou ainda que a falta de um acordo em Cancún e a possibilidade de prorrogação dos prazos da rodada também podem prejudicar as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Ele lembrou que, na Alca, os americanos só aceitaram discutir as políticas de apoio interno aos seus produtores agrícolas depois que o assunto fosse resolvido no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Por causa do atraso na OMC, uma hipótese é de que eles voltem a discutir o assunto na proposta de criação da Alca”, afirmou. “Mas a outra hipótese é de que a Alca fique parada, sem avanços”, completou. O ministro aposta em acordos bilaterais. Ele afirmou que, em Cancún, teve contato com Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, entre outros, países que demostraram interesse em fechar acordos bilaterais com o Brasil.

Rodrigues ressaltou como um ponto positivo da reunião a articulação, por iniciativa do Brasil, de um grupo poderoso de países exportadores de produtos agrícolas, o chamado G-21, que, turbinado pelo ingresso de Indonésia e Nigéria, saiu de Cancún com 22 membros (El Salvador abandonou o grupo). Segundo o ministro, a ação do G-21 impediu que os países desenvolvidos impusessem sua proposta.

Ele também procurou relativizar o fracasso das negociações. “A estação de Cancún foi uma passagem forçada, mas a viagem continua, a rodada não acabou”, disse o ministro da Agricultura. “O campo e o juiz não eram nossos, mas mesmo assim, com um time mais fraco conseguimos empatar em zero a zero”, afirmou. O pior, na sua avaliação, seria um acordo negativo para o Brasil. “Seriam anos e anos sem chance de melhorar. Nós escapamos disso.”

Suíça

Os 146 países que integram a OMC se reunirão novamente a partir do dia 15 de dezembro, em Genebra, na Suíça. Até lá, os países em desenvolvimento vão analisar o documento básico, elaborado pelo facilitador do Grupo de Agricultura, o ministro de Cingapura, George Yeo, para apresentar uma segunda proposta de negociação.

Segundo Rodrigues, por ter liderado o G-21 caberá ao Brasil o trabalho de análise do documento. “Caberá à OMC fazer um esforço gigantesco em nome de sua própria sobrevivência para que a negociação ocorra num prazo curto e, se possível, dentro do período definido, que é terminar a Rodada Doha até dezembro de 2004”, afirmou.

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