Guerra e inflação fazem Copom aumentar juros

Não será desta vez que o Banco Central vai atender aos reclamos do Partido dos Trabalhadores que, à época do governo Fernando Henrique, reclamava do que chamava de “absurdo” aumento na taxa de juros. A segunda reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, no governo Lula, realizada ontem, decidiu elevar a taxa básica de juros da economia brasileira – a Selic – em um ponto percentual, passando de 25,5% para 26,5% ao ano.

A justificativa, mais uma vez, foi a “resistência da inflação” devido ao aumento do dólar. A ameaça de guerra contra o Iraque voltou a desvalorizar o real no início deste ano, o que gerou pressão sobre os preços.

Essa é a maior taxa desde maio de 1999. Trata-se também da segunda alta consecutiva dos juros no governo Lula. Na primeira reunião do Copom do novo governo, a taxa havia subido de 25% para 25,5%.

Compulsório

Também foi definido o aumento do recolhimento compulsório sobre depósitos à vista de 45% para 60%, medida que junto com o aumento de juros tem por objetivo retirar dinheiro em circulação no mercado e com isso segurar a inflação.

Na prática, o aumento do compulsório funciona da seguinte maneira: os bancos agora vão recolher ao BC R$ 600 de cada R$ 1.000 depositados à vista – antes eram R$ 450.

Sozinho, o aumento dos juros não surpreende o mercado financeiro, mas o aumento do compulsório sim. A maioria dos analistas já apostava em uma alta de 1 a 1,5 ponto percentual.

Inflação e guerra

A elevação dos índices de inflação é citado como o principal motivo para a alta dos juros. A ameaça de guerra contra o Iraque voltou a desvalorizar o real no início deste ano, o que gerou pressão sobre os preços.

Por isso, analistas do mercado financeiro apostam que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, usado como referência das metas de inflação) atinja 11,99% neste ano, um valor bem superior à meta ajustada de 8,5%.

Os juros devem ser mantidos no atual patamar pelo menos até o dia 19 de março, quando o Copom voltará a se reunir. As razões para a elevação da taxa, ontem, serão conhecidas na próxima quarta-feira, quando o BC divulgará a ata da reunião.

Compulsório vai “enxugar” R$ 9 bilhões

A elevação da alíquota do compulsório sobre depósitos à vista, anunciada ontem pelo Banco Central, deve retirar cerca de R$ 9 bilhões da economia em circulação e vai tornar ainda mais caro o juro para o consumidor. Na opinião do economista chefe do UAM (Unibanco Assets Management), Alexandre Mathias, o movimento de alta do compulsório foi importante.

Segundo ele, o nível de juros reais atual do país é tão elevado que é preciso pensar bastante antes de aumentar os juros. Por isso, “o compulsório é um instrumento importante, às vezes mais eficiente que o aumento de juros??.

O compulsório é um percentual a que os bancos estão obrigados a recolher junto ao Banco Central. Ele é um instrumento de política monetária que serve para ajustar o nível de liquidez do mercado.

Sempre que o compulsório é elevado, há uma redução de recursos disponíveis no mercado, o que acaba por elevar a taxa cobrada pelos bancos.

Para Mathias, a decisão de aumento do compulsório com a alta da taxa de juros Selic de 25,5% ao ano para 26,5% ao ano “mostra o compromisso do BC com a meta ajustada?? de inflação de 8,5%. Na avaliação do economista, é um movimento que dá credibilidade ao BC, além de ser um passo importante para o controle da inflação e a possibilidade de redução de juros mais adiante.

Mathias acredita que a taxa de juros poderá retomar a trajetória de queda a partir de maio ou junho.

“É um bom script que leva ao cumprimento da meta (de inflação) e à possibilidade de queda dos juros entre maio e junho??, disse.

Para o economista, na medida em que ficar claro que a inflação está mais próxima de 10% no ano, do que em 15%, esse movimento de queda dos juros estará mais perto.

Segundo ele, a alta de um ponto percentual na taxa era esperada, diante da dinâmica da expectativa divergente da meta ajustada e da inflação caindo em um ritmo mais lento que o esperado.

Impacto ao consumidor será imediato

As taxas de juros para as operações de crédito ao consumidor devem subir. Essa é opinião unânime dos analistas do setor depois da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa Selic de 25,5% para 26,5% ao ano. Além disso, a alíquota para os depósitos à vista passou de 45% para 60%. Segundo eles, o reajuste nos juros ao consumidor será inevitável e deve atingir todos os setores do crédito.

“Esse aumento da taxa vai chegar em um momento ruim. Isso porque, após o carnaval e as férias escolares, o crédito tende a crescer. O fato é que, com um aumento nas taxas de juros o consumidor vai evitar financiamentos”, avalia o presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Ricardo Malcon. Ele espera uma elevação das taxas em todos os segmentos do crédito ao consumidor.

“No financiamento de veículos novos, o impacto será menor por causa do estoque significativo das montadoras”, afirma. O presidente da Acrefi ressalta que o consumidor de baixa renda será o mais prejudicado.

Malcon também comenta que o aumento da alíquota do compulsório sobre depósitos à vista vai dificultar a oferta de crédito e será mais um motivo para o aumento imediato nas taxas ao consumidor. “A elevação na alíquota do compulsório foi significativa e com certeza diminuirá a liquidez do mercado. Isso é mais um motivo para uma alteração imediata das taxas de juros ao consumidor. Amanhã (hoje) já devemos ter novas taxas no mercado”, alerta.

Cheque especial

Os juros do cheque especial e do cartão de crédito não devem sofrer alterações imediatas. Os juros destas linhas de crédito já estariam muito elevados e não haveria muito espaço para novos aumentos.

Economia prevista no orçamento fica prejudicada

O aumento de apenas um ponto percentual na taxa básica de juros da economia brasileira – a Selic – anunciado ontem pelo Banco Central deverá elevar a dívida pública federal em R$ 3,97 bilhões. Ou seja, com uma única decisão o governo anulou 28,4% do esforço anunciado pelo próprio governo na semana passada com o corte de R$ 14 bilhões do Orçamento deste ano.

O impacto do aumento da dívida pública com a alta do juros leva em consideração que a taxa se mantenha nos 26,5% ao ano – como anunciado ontem pelo BC – durante os próximos 12 meses.

De acordo com os dados da dívida pública de janeiro do Tesouro Nacional e do BC, 62% da dívida pública, ou R$ 397 bilhões, são títulos indexados à Selic. Por isso, sempre que a taxa básica é elevada também cresce o custo do governo com o pagamento de juros desses papéis.

A maior despesa com juros, por sua vez, obriga o Executivo a cortar outros gastos, como investimentos em infra-estrutura ou em projetos sociais, para alcançar superávits fiscais suficientes para manter a dívida pública estável.

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