Drogas. O “baseado” na frente da escola. A cocaína na frente do templo. O que fazer?

O que fazer com a moça, maior de idade, que está tranqüilamente fumando um baseado na frente da escola? O que fazer com o sereno rapaz que na frente da Igreja está cheirando uma “carreira” de cocaína?

Hoje, a resposta é simples. Incide o artigo 16 da lei n.º 6.368/76, ou seja, a legislação incrimina o fato de trazer consigo a substância para uso próprio (porte da droga para uso próprio), bem como, determina uma sanção para a referida conduta (detenção de seis meses a dois anos e multa).

Amanhã, pelo que se avizinha das propostas que tramitam no Congresso Nacional, haverá crime, mas não será imputada pena.

De imediato, muitos podem pensar que a futura legislação significará a vitória dos defensores da “não punição” dos usuários de drogas, quando isso não representa a verdade.

A legislação que se anuncia, certamente, significará o fim da penalização do usuário, no sentido de que a pena de prisão fica afastada. Isto é, será aplicada “advertência, prestação de serviço à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Contudo, tal normatização não evitará o contato com a polícia e também não afasta o “usuário” do Poder Judiciário. Em outras palavras, ficaremos no meio do caminho, não teremos pena, mas teremos polícia e órgão judicante.

É a vitória do medo.

Explica-se: o crime sem pena é a solução intermediária que resulta do temor de manter a criminalização da conduta do usuário ou de descriminalizá-la de vez.

Basta dizer, que o modelo atual já não determina a prisão do portador da droga, para consumo próprio, sendo-lhe aplicadas as disposições do Juizado Especial Criminal. Assim, o usuário flagrado com a droga fará um termo circunstanciado e, na seqüência, comparecerá em audiência preliminar para aplicação da transação penal.

Muitos dirão que, ao menos, fica impossibilitada a conversão da pena e sinalizado que o usuário não merece prisão. Porém, tais “vantagens laterais” são falsas, na medida em que o estigma do crime permanece, mantendo exatamente o que “os liberais” pretendiam evitar. Acresça-se ainda, que o usuário continuará a comparecer frente à polícia e diante do Poder Judiciário.

Note-se que atualmente a conversão da pena, que é aplicada por alguns juízes (outros entendem que é necessário oferecer denúncia) ocorre em poucos casos, isto é, somente quando o autor do fato descumpre o acordado é que tem a pena convertida. Nada mais justo.

Cabe assim, uma reflexão.

Verifica-se que o receio de encarar o tema de frente e com ousadia não é restrito aos nossos congressistas, mas espraia-se por toda a sociedade. De forma clara, ou somos pela criminalização da conduta de usar drogas ou somos pela descriminalização. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio termo. Caso contrário, não teremos um sistema, mas um conjunto de idéias que se chocam e não produzem resultado concreto.

Não obstante, o problema vai além do temor de discutir criminalização e descriminalização. A rigor, o âmago da questão, a raiz de todo mal, está na omissão, pois a sociedade tenta olvidar as drogas e suas conseqüências. Em suma, ela prefere ignorar que produz consumidores de drogas e quando se depara com eles, quer acreditar que tudo será resolvido com uma lei.

Quanto à descriminalização e poupando-a de críticas, já que suas razões não convencem, verifica-se, ao menos, que serviria para propiciar a adoção de medidas concretas, efetivando uma política em relação às drogas.

Forçoso reconhecer então, uma lógica na intenção de seus defensores, porquanto não restaria impedida a construção de um sistema baseado na liberação do uso e no ataque ao tráfico (ou na estatização da venda), onde o usuário não teria contato com a polícia e com a justiça, tendo regulamentado o local de uso, sendo que o desrespeito renderia ensejo a multa ou a pena restritiva de direito, de aplicação administrativa, por exemplo.

Voltando ao caso legislativo, observa-se que o modelo que está sendo construído no Congresso Nacional é ainda pior que a liberação indiscriminada. Pois, com ele o Brasil continuará sem uma política antidrogas. Aliás, é preciso ficar claro, o nosso País não segue o modelo americano (repressivo). O Brasil não tem repressão. O Brasil não tem prevenção. O Brasil não tem tratamento.

É muita discussão e nenhuma efetividade. É risível dizer que cuidamos do problema das drogas somente com repressão. Basta observar o abandono das fronteiras, a pobreza da polícia federal e o caótico quadro da segurança pública nos estados da federação, para concluir, que o único modelo adotado é o modelo da mentira.

Mentimos que fazemos repressão, mentimos que temos prevenção e, para variar, mentimos que temos médicos e clínicas para os dependentes.

Sem dúvida, as propostas que estão caminhando no Congresso Nacional, especialmente, no Senado Federal irão aperfeiçoar o modelo da mentira, com direito à polícia, Poder Judiciário, crime, porém, sem pena.

A vingar a ideologia corrente e em discussão na Casa Legislativa, tem-se que ninguém mais vai agir contra a conduta de usar drogas, diante da ausência de punição. A futura lei não será utilizada. O desestímulo geral servirá somente para punir seletivamente os usuários.

O que hoje, infelizmente, já acontece será agravado.

Assim, se o usuário for “pessoa de bem”, isto é, com status social e financeiro não será incomodado. Porém, se não for “bem nascido”, fatalmente será rotulado como criminoso com todas as suas conseqüências.

A despenalização, portanto, é medida inútil na prática e que continuará a inviabilizar uma política antidrogas no país.

Novamente, é preciso repetir, o problema do Brasil não é de legislação, mas de efetividade, pois a normatização de 1976 sequer foi verdadeiramente implementada para ser criticada.

O resultado da inconseqüência nacional é o aumento do consumo de drogas, o crescimento do tráfico e a criação de monstrengos legais como a lei n.º 10.409/02.

Frise-se que somente a criminalização do usuário permite a construção de uma eficiente política antidrogas. O crime e a pena são fundamentais para sinalizar que o país não comunga com as drogas e suas conseqüências.

Deveríamos sim, é aplicar a lei n.º 6.368/76, isto é, combate duro ao tráfico, aplicação do artigo 16 da referida lei ao usuário, sem distinção, e implementação de políticas de prevenção e tratamento, agregando estados da federação, municípios e sociedade civil.

Na verdade, não vivemos uma crise legislativa no universo das drogas, mas uma crise de responsabilidade.

Em síntese, o que falta é compromisso com o ser humano e, em especial, com os usuários e com os dependentes, que junto com os seus familiares são relegados ao desamparo.

Roseana C. G. do Rego Assumpção e Marcio Geron,

juízes da Comarca de Capanema/PR.

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