Dormindo com o inimigo

Mal comparando, parece que a oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso tem acreditado que o governo brasileiro está dormindo com o inimigo. Agravada a crise econômico-financeira em níveis assustadores, aumenta o processo de satanização do Fundo Monetário Internacional, parceiro do Brasil nesse imbróglio. E, como no filme O Bebê de Rosemary, pode nascer um filho do demônio, agora ou daqui a alguns meses. Acontece que, daqui a alguns meses, o presidente será outro, mas a cama será a mesma. E poderá acontecer que Lula ou Ciro ou Serra tenha de dormir nela com o mesmo inimigo. Com este raciocínio, os candidatos vinham se esquivando de partilhar com o governo as responsabilidades morais de um novo acordo com o FMI. Ou ainda aceitar que, além de responsabilidades morais, terão de honrar responsabilidades financeiras, desde que os efeitos do novo ou renovado acordo se estendam, adentrando o próximo mandato presidencial.

Acontece que a coisa já está acontecendo.

A crise financeira agrava-se dia a dia e já prejudica todo o Brasil, o governo e a iniciativa privada. O andar da carruagem, que já é de desabalada carreira, faz com que as nossas autoridades econômico-financeiras apressem entendimentos com o FMI, para que novos socorros financeiros sejam concedidos ao Brasil antes que a vaca vá para o brejo. O recurso ao FMI aparece como única solução imediata. Outra seria o aumento significativo do superávit fiscal, prometido em 3,7% do PIB, o que já é uma enormidade. Para termos um superávit suficiente para que Brasil e fundo deixem de dormir no mesmo leito, teria de ser gigantesco, na verdade impossível de ser conseguido. E não bastaria esse megassuperávit. Teríamos ainda de imediatamente conseguir superávits na balança comercial em volumes nunca alcançados e em níveis sequer arranhados pelo Brasil. E fazermos nascer, como um cogumelo gigante, de uma hora para outra, um mercado de capitais interno, alimentado pela poupança, capaz de promover o desenvolvimento econômico em índices elevadíssimos. E tudo de hoje para amanhã.

Por isso, é bom que os candidatos comecem, como já começaram, a acreditar que a situação está preta e que, se não colaborarem na feitura de um novo acordo com o FMI, pelo menos concordando ou não se opondo, poderão, num amanhã que está próximo, ter também de dormir com o inimigo. Melhor que se transforme em amigo, e o quanto antes, ajudando o Brasil a superar a crise já, para que ela não se estenda ao novo mandato presidencial, quando Lula, Serra ou Ciro poderão receber um país ingovernável. É evidente que o governo Fernando Henrique Cardoso não pode transferir, nem parcialmente, responsabilidades aos candidatos à sua sucessão. Mas as circunstâncias indicam que seu aval, num novo acordo com o fundo, acalmaria a tormenta e facilitaria sua assinatura. Cortaria os cornos do diabo. Como credor, o FMI não quer imaginar que, já depois das eleições, vai encontrar um Brasil quebrado, inadimplente ou dando-lhe declarado calote. Nem quer que o nosso país engrosse a zona de turbulência sul-americana que começou com a Argentina, estendeu-se pelo Uruguai e Paraguai e agora venha ter, como náufrago na tempestade, o gigantesco Brasil. Seria descrédito para o fundo e a geração de uma crise de efeito dominó, alcançando tantos países que aquela instituição financeira internacional seria impotente para exercer o seu papel de pronto-socorro. E se desmoralizaria de vez.

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