Dinheiro do povo

No Brasil, o dinheiro do povo é considerado, pelas autoridades e em quase todo o mundo político, como recursos disponíveis porque pertenceriam a ninguém. A provar essa absurda assertiva estão as más aplicações e, nos casos de investigações policiais sobre atos de corrupção, são comuns as gravações autorizadas de telefonemas em que autoridades corruptas dizem abertamente que consideram os recursos da população como sem dono.

Não estranha que tenha estourado o escândalo dos cartões de crédito corporativo e contas tipo B, em que autoridades e altos funcionários usaram e abusaram desses instrumentos para gastar dinheiro da Nação. Foram desperdiçados recursos até em churrascarias, ?duty free shops?, aluguéis de carros e outros propósitos que nada têm a ver com o interesse público.

Tais fatos, porque repetidos e em certos casos escandalosos, obrigaram o governo a agir, a contragosto, não sem antes justificar e perdoar os perdulários, entre os quais se encontram até ministros de Estado.

O governo não renuncia às facilidades dos cartões de crédito e parece que, ainda por algum tempo, manterá as contas tipo B em que os altos servidores sacam contra o Tesouro. E o povo paga.

O presidente Lula acaba de fazer publicar o decreto número 6.370, datado de primeiro de fevereiro, com regras para o uso dos cartões. O secretário-executivo da Controladoria Geral da União (CGU), Luiz Navarro, declarou que a partir de agora os ministérios e órgãos federais terão de se adequar às novas regras. Afirmou que, pelo decreto, os órgãos federais terão liberdade para disciplinar os saques via cartões corporativos, de acordo com suas necessidades. Mas terão de respeitar a ordem de autorizar o saque em no máximo 30% do limite e justificar o uso do dinheiro.

?Trabalhamos com atenção em dois esforços: dar transparência ao uso dos recursos e também mais clareza às regras e normas que tratam dos mecanismos?, informou aquela autoridade. E acrescentou: ?Os cartões são o instrumento mais seguro e transparente.

Pelo decreto, está proibida a aberturas de novas contas tipo B. Tais contas eram abertas em nome de um funcionário público e nelas eram depositados recursos do povo. Ele ficava autorizado a sacar, inclusive por meio de cheques. Dinheiro do povo que não raro era sacado para fins inconfessáveis. As contas tipo B já existentes poderão continuar, só sendo suspensas na data limite de 2 de junho deste ano.

É forçoso concordar que o instrumento dos cartões de crédito corporativo facilita o pagamento de despesas que, de outra forma, teriam de ser feitas mediante licitações. Impraticável! Não obstante, o positivo do decreto de Lula é o objetivo de dar mais transparência aos gastos com os cartões e a responsabilização dos órgãos em cujo nome agem os emissores. O que não é aceitável é que o dinheiro do povo seja gasto por vias tão facilitadas e ninguém seja responsável. E o povo não tenha conhecimento do destino que está sendo dado, de forma tão facilitada, aos seus recursos. Lembremo-nos que o dinheiro do povo é limitado, enquanto suas necessidades são ilimitadas e, obviamente, sub-atendidas num Brasil em que já basta o baixo retorno que a nação tem de uma pesada carga tributária. Os gastos liberados via cartões de crédito melhor que fossem proibidos, mas se isso não é possível, que sejam feitos com responsabilidade e de forma a que evidenciem que quem os faz age com um mínimo de vergonha na cara. 

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