Desconto abusivo

O governo Lula instituiu o desconto em folha das parcelas de pagamento de empréstimos bancários, como um benefício aos servidores públicos e aos demais trabalhadores. Esta providência somou-se a outras, como abertura de contas correntes populares, acessíveis a pessoas de baixa renda e empréstimos a aposentados. São paliativos para uma classe que ganha muito pouco e precisa recorrer a empréstimos bancários, que lhes vem sendo vedados exatamente pela pequenez de seus ganhos e falta de garantias a oferecer às instituições financeiras.

Como em outras providências objetivando agradar às classes trabalhadoras, os empréstimos com desconto no holerite do pagamento das parcelas de sua quitação está dando para trás. O Superior Tribunal de Justiça acaba de considerar os descontos na folha de pagamento abusivos, o que na prática significa proibi-lo.

Entendeu aquele tribunal que o salário do devedor tem natureza alimentar e, por isso, é impenhorável. Assim, se o devedor de um empréstimo bancário cancelar a autorização que permite o desconto direto no seu holerite, o pagamento do empréstimo terá de ser suspenso.

A decisão nos parece lógica. De fato, o salário tem caráter alimentar e merece proteção, em casos de cobranças de empréstimos, mesmo via judicial. É como ocorre com, por exemplo, as residências das pessoas. São consideradas bens de família e, como tal, impenhoráveis. Sem o desconto em folha, um trabalhador que tivesse contraído uma dívida numa instituição financeira estaria sujeito à cobrança judicial, inclusive à penhora. Mas a penhora dos meios de seu sustento, como seja, o dinheiro de seu salário, seria colocar em risco sua sobrevivência, retirando-lhe o necessário para a própria alimentação e a de sua família.

Dessa forma, entende o STJ que se o devedor cancelar a autorização que permite o desconto direto, o pagamento do empréstimo terá de ser suspenso. Foi mais adiante o tribunal, acrescentando que se a ordem de cancelamento dos descontos for desobedecida, o devedor terá o direito de pedir uma indenização sobre o montante pago ao banco credor. Assim, teria de volta a parte de seu salário descontada e mais uma indenização.

A decisão foi tomada num recurso do Sudameris Brasil S.A. contra um servidor público. Este pegou emprestados R$ 1.015,00, para pagar em 36 parcelas de R$ 56,66, totalizando R$ 2.111,66. O devedor entrou com ação não contra os descontos em si, mas contra o juro mensal do empréstimo, de 3,8%, argumentando que ele teria de ser de, no máximo, 12% ao ano, como determina a Constituição de 1988, limite este nunca obedecido sob o argumento de que o artigo da Carta que o estabelece não foi regulamentado.

O STJ, neste ponto, não deu razão ao servidor público. Não mandou baixar os juros, e nem por considerá-los altos julgou ilegal o desconto em folha, e, sim, pelo caráter alimentar dos salários.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça na prática acaba com os empréstimos com descontos em folha, tidos pelo governo como um benefício para o trabalhador, embora pareça evidente que é uma forma de facilitar a vida dos bancos, dando-lhes excepcional garantia de pagamento dos empréstimos. E colocando à disposição da massa assalariada uma tentadora e perigosa forma de endividar-se.

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