Defesa intrigante

Não fosse Henrique Meirelles o presidente do Banco Central, e mesmo assim seria necessário, na situação em que os fatos se encontram, que ele explicasse à nação seu incongruente relacionamento com o fisco brasileiro. O Brasil – pátria amada, idolatrada, salve! salve! – assim espera de todos os cidadãos. Mais espera, aliás, exige, de pessoas que ocupam postos importantes, políticos e autoridades que, além de levar vida correta, precisam dar o exemplo.

Por isso intriga sobremaneira a insistência do Planalto na defesa incontinenti e incondicional à pessoa do presidente do Banco Central. Assim como é intrigante a defesa que faz do presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, também envolvido em coisa semelhante, além de ter assumido a responsabilidade pela “ajuda” feita à campanha pela construção da sede nacional do PT com dinheiro alheio. Da mesma forma que foi e continua sendo intrigante o incondicional apoio dado ao ministro José Dirceu, da Casa Civil, no caso do Waldogate.

Pelos lados de Brasília, fala-se em linchamento moral e coisas do gênero. Mas não se explica o que a nação quer saber: se há verdade ou não na sonegação de tributos denunciada. A sucessão de fatos apontados (e Meirelles ainda brinca, antecipando que durante essa campanha eleitoral outros virão, um por dia!) tiraria a autoridade de Meirelles como deputado. Mais ainda, como a autoridade monetária máxima do Brasil. Mas, segundo o ministro Antônio Palocci, o acusado está mais forte que antes. Mesma coisa que se dizia de José Dirceu. É curioso perceber que, no Brasil, as denúncias -mesmo que consistentes e calcadas em datas, números e outros detalhes não desmentidos pela autoridade fazendária, que as tornam críveis e bem formuladas – fortalecem os denunciados. Por isso existem tantas denúncias não apuradas.

Uma das explicações do presidente do Banco Central pretende transferir a responsabilidade de sua declaração de rendas, que é apenas e somente sua, ao “guarda-livros” -perdão, escrivão ou contador. Mas isso é o que todo mundo faz e não cola perante o menos graduado funcionário da Receita Federal. De Goiânia ou de Curitiba. A outra é mais ridícula ainda: que se encontrava fora e tinha mais o que fazer…, isto é, tinha coisas mais importantes que o acerto de contas com o Leão. Assim, um terreno que valia quarenta mil reais foi lançado como se valesse apenas um real. E viva a festa!

Mas precisa ser tomada como ofensa à pobreza nacional (que nem de perto imagina o que é ser rico como ele) a justificativa de Meirelles com a qual pretende desfazer todos os equívocos em que está metido: ele é rico, muito rico, e não teria necessidade de se importar com pequenas sonegações. Ora, a seguir seu raciocínio, de duas uma: se fosse pobre estaria perdoado? Ou, então, só as grandes quantias configuram sonegação? Mais, e pior: sonegação é coisa de gente pobre? A arrogância com a qual a autoridade do Banco Central trata os fatos que dizem respeito à sua vida pessoal contrastam profundamente com a prudência e a humildade que seria de esperar da autoridade que temporariamente lhe reveste o nome. Ele pode estar mais forte perante Palocci e outros colegas do primeiro escalão, incluindo o próprio presidente da República. Mas não espere o mesmo da opinião pública nacional…

Por fim, outra questão que não pode passar em brancas nuvens. Em defesa de Meirelles, diz-se que os dados que vêm a público pertencem à categoria das informações sigilosas. Por isso não devem ser levados na devida conta, antes, pelo contrário, denunciam o crime dos autores das “intrigas” ou “futricas” (os termos são da preferência do presidente Lula). Muito bem, então por que Meirelles tenta se justificar e explicar, transferindo inclusive a culpa para terceiros? Isso não é, em outras palavras, a confirmação dos fatos? Se onde há simples fumaça, a prudência manda imaginar que possa existir, também, fogo, por qual motivo o Planalto, em vez da defesa apriorística, não passa para a fase das investigações? Mais, por qual motivo está sendo conivente com os “criminosos” futriqueiros?

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