Da prescrição dos créditos tributários: negligência do Poder Judiciário ou das Procuradorias Fiscais?

1. Nas Câmaras de Direito Tributário do Tribunal de Justiça do Paraná (1.ª, 2.ª e 3.ª), percebe-se, no dia-a-dia, o enorme número de prescrições dos créditos tributários. Pergunta-se: culpa do Poder Judiciário ou das Procuradorias Fiscais do Estado e dos Municípios? De ambos, inquestionavelmente. Existe falta de fiscalização por parte dos juízes, dos serventuários e dos procuradores do credor (Estado ou Município). Para exemplificar, basta citar caso recente que passou pela 2.ª Câmara, onde o oficial de justiça de uma das Varas da Fazenda Pública de Curitiba levou 10 (dez) anos – é isso mesmo: 10 anos, não 10 dias! – para citar pessoa de notório destaque da sociedade paranaense, em execução fiscal movida pelo Município de Curitiba. O Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça prevê o prazo de 15 (quinze) dias para cumprimento dos mandados pelos oficiais de justiça (item 2.4.3, Capítulo II). Vale ressaltar que, no caso aludido, em 10 (dez) anos, o procurador do Município nunca peticionou nos autos para cobrar, o cumprimento do mandado. Evidencia-se, a negligência da parte na fiscalização do processo, bem como a do juiz, do escrivão e do oficial de justiça.

2. Em Curitiba, existem apenas 4 (quatro) Varas da Fazenda Pública, aliás, há muitos anos. A última (4.ª) instalada em julho de 1978, ou seja, prestes a completar 30 (trinta) anos. O quadro estatístico abaixo demonstra o elevado número de ações e execuções fiscais em andamento nas aludidas Varas, bem como a média de ingresso de ações nos últimos três anos:

Para atender tal número expressivo de execuções fiscais, o credor Estado do Paraná conta com apenas 13 procuradores, que ainda atendem outros feitos (mandado de segurança etc).

Sob outro aspecto, inconcebível ter uma boa estrutura e perfeito controle dos processos, com número tão elevado de processos por Vara, ou seja, nas Varas da Fazenda Pública, o número de feitos em andamento é excessivo. Ainda que sejam designados dois juízes por Vara, tal número revela-se insuficiente. É impossível o juiz fiscalizar, por exemplo, o andamento das execuções fiscais. Recordo que, quando atuava como juiz singular, mandava o Escrivão, trazer-me a pilha de processos, cujos mandados se encontravam com os oficiais de justiça e determinava a devolução respectiva em 48h. Numa Vara com 95.522 feitos em tramitação, difícil, quiçá impossível realizar tal procedimento.

Criaram-se, mais quatro Varas da Fazenda Pública que, não foram instaladas até hoje. Dessa maneira, o caos cresce a cada ano, com o aumento da população e, por conseguinte, do número de ações de competência das Varas da Fazenda Pública.

3. Por outro lado, evidente a desídia das Procuradorias do Estado e dos Municípios no acompanhamento das execuções fiscais, o que contribui sobremaneira para a prescrição dos créditos tributários. Outro exemplo, muito comum, diz respeito ao ajuizamento das execuções fiscais quando o crédito tributário se encontra prestes a prescrever. Por que não ajuizá-las com a devida antecedência? No caso dos Municípios, de regra deixam-se acumular 4 ou 5 anos de dívida de IPTU e taxas, para só então ajuizar as execuções fiscais. O lógico e razoável é o ajuizamento no máximo a cada 2 ou 3 anos, considerando que a prescrição do crédito tributário se configura em 5 (cinco) anos.

4. Não se pode olvidar que o processo se inicia por iniciativa da parte (princípio dispositivo, CPC, art. 2.º), mas se desenvolve por impulso oficial (CPC, art. 262), ou seja, uma vez iniciado, incumbe ao Poder Judiciário dar-lhe o efetivo andamento, mas com o auxílio e colaboração das partes, que colaboram, em seu trâmite. Não se pode esquecer que cabe às partes fiscalizar todos os atos processuais. O advogado é indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133); a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, elevados a preceito constitucional (CF, art. 5.º, LXXVIII), dependem de sua participação efetiva e fiscalização permanente.

5. Sob outro ângulo, existe uma relação doentia entre o Estado e o cidadão. Falta o bom exemplo do primeiro, que não paga os precatórios, ou melhor, alguns Estados e Municípios, porque a União, normalmente, cumpre em dia com os pagamentos dos precatórios. O que levou o Min. Carlos Velloso do Supremo Tribunal Federal, no exame dos Embargos Declaratórios na ADI 2.851-1/RO, a dizer: ?O embargante deve refletir sobre isto: a reforma constitucional, que introduziu o art. 78, ADCT, veio, justamente, para afastar, de certa forma, a imoralidade administrativa do ?calote? que grande parte dos Estados-membros e Municípios passam nos seus credores, credores com título judicial. É que vários Estados e Municípios simplesmente não honram os precatórios, com violação de princípios constitucionais, inclusive o da moralidade administrativa, pois o ?caloteiro? é um imoral. O art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2000, quer fazer com que o poder público – leia-se, Estados e Municípios, porque a União não deixa de pagar os seus precatórios honrem os seus débitos para com os seus credores?.

Daí achar-se o cidadão, no direito de também não pagar os tributos. Sabe que possui imóvel e deixa de pagar o IPTU, o Município (credor) atrasa o ajuizamento da execução e depois o devedor vem alegar, em exceção de pré-executividade, a prescrição. Cria-se um círculo vicioso. Hoje a sociedade ambiciona, de maneira desenfreada o material, o dinheiro. Perde-se a referência dos valores permanentes, éticos e morais. Daí, a indagação ?Vale a pena ser virtuoso??, feita pelo magistrado José Renato Nalini, em sua excelente monografia Ética Geral e Profissional, 5.ª edição, RT, p. 498.

6. Sob outro prisma, vale lembrar a existência da Súmula 106 do Superior Tribunal de Justiça, que enuncia: ?Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.? Entretanto, a desídia do Poder Judiciário não exime a responsabilidade do credor em fiscalizar sempre o andamento das execuções fiscais, propiciando inclusive a célere citação do devedor, com o que se interrompe a prescrição, hoje, inclusive, com o despacho do juiz que ordenar a citação (CTN, art. 174). Entretanto, para se evitar a prescrição intercorrente, deve o credor sempre estar atento e fiscalizar o andamento da execução fiscal.

7. Existem dois anteprojetos de lei que preconizam instrumentos capazes de, auxiliar sobremaneira, na presteza das execuções fiscais. O primeiro estabelece regras gerais sobre transação e conciliação administrativa e judicial de litígios tributários. O segundo cuida da cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública e possibilita a cobrança no âmbito administrativo, deixando para o Poder Judiciário apenas a apreciação dos embargos à execução. Seria uma solução? Sem dúvida alguma, contribuiria para agilizar as cobranças, desde que os Estados e os Municípios criassem estrutura adequada para o atendimento do volume de cobranças administrativas dentro de seu território.

8. Em conclusão: a) indispensável melhor verificação do andamento das execuções fiscais por parte dos juízes, escrivães e oficiais de justiça; b) imprescindível fiscalização pelos procuradores do credor (Estado ou Município), a quem incumbe auxiliar no andamento do processo; c) não deve o credor deixar, para ajuizar as execuções fiscais somente, nas vésperas de ocorrer a prescrição; d) necessidade de criação de mais Varas da Fazenda Pública na Capital ou diluir a competência entre todas as Varas Cíveis; e) melhor estrutura das Procuradorias, máxime do Estado, a fim de poder fiscalizar e controlar o andamento das execuções fiscais; f) Estado e Municípios precisam dar bom exemplo, pagando os precatórios, a fim de exigir correspondência dos contribuintes e conseqüente pagamento dos tributos.

Lauro Laertes de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.

Voltar ao topo