Da ética nos Tribunais

Para iniciar este texto, vou contar uma estória com teor de anedota, mas que nos faz refletir sobre o conceito de ética nos tribunais: ?Um famoso advogado, dono de uma das maiores bancas de advocacia de Nova York, tinha uma causa de vulto que se encontrava com o juiz para decisão final. Como ia sair de férias pediu ao seu sócio que lhe comunicasse por fax, num dos hotéis de seu roteiro turístico; passados alguns dias o advogado se encontrava em Paris e recebeu um fax com o seguinte teor: "fez-se justiça”. Não teve dúvida e respondeu: Recorra imediatamente.?

Nos últimos tempos tenho refletido muito sobre a ética nos Tribunais. Diz o art. 14 do Código de Processo Civil que: ?São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé; III – não formular pretensões, nem alegar defesa, ciente de que são destituídas de fundamento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final?.

Li certa vez um comentário de um jurista, em que ele diz ?como querer que a parte diga a verdade, se esta lhe traz a derrota?. Será um comportamento ético tal interpretação? Outro exemplo sobre causas que envolvem aventuras judiciais: um advogado dizendo ao outro, se você não pegar a causa, outro pegará! Tem ética o aludido pensamento? O fato de o outro cometer um ato antiético não significa que eu devo cometer. Também ouvi muito nos meios forenses: ?o advogado pede, o juiz concede ou não?. Por outras palavras significa dizer que o advogado pode pedir o que quiser, o maior absurdo. Tal comportamento evidencia falta de ética ou não? Ou o advogado deve ter responsabilidade ao ir a juízo, não formulando pretensão destituída de qualquer fundamento?

Noutra vez um advogado de grande banca de advocacia falou, com certo orgulho, ?nós no escritório recorremos de tudo?. É ético tal comportamento? Contribui para a efetividade da Justiça ou somente congestiona os Tribunais de recursos?

Como ensina Maurice Garçon, em sua clássica obra ?O advogado e a moral?, "a sinceridade é um dever que gera autoridade. A magistratura não pode confiar no advogado desde que suspeite que ele poderá enganá-la?. (Armênio Amado, 2.ª edição, p. 40). Não se pode olvidar o valor da palavra, que representa a própria dignidade da pessoa. A palavra se constitui em um grande capital, que não pode ser desperdiçado. Pela palavra vai se formando o conceito sobre a pessoa. ?A falta de seriedade na afirmação do que se diz é um dos tantos erros que produzem confusão, semeia desconfiança e faz com que os prejuízos não se façam esperar.? (Carlos Pecotche). Outrossim, indispensável agir com respeito com o semelhante. Assim, os advogados que faltam com a ética passam a ser mal vistos pelos próprios juízes, membros do Ministério Público e comunidade, prejudicando em muito suas carreiras e dificultando a própria defesa de seus clientes.

A ética, contudo, não deve ser somente das partes e dos advogados, mas de todos os participantes do processo, como o juiz, o promotor de justiça, o perito, o serventuário da justiça e testemunhas.

Todos têm deveres perante a Justiça: o juiz deve ser imparcial, sereno e velar pela rápida solução do litígio; a testemunha, de dizer a verdade; o perito, de realizar seu trabalho procurando elucidar as questões e cumprir de modo zeloso o encargo recebido.

Não se pode esquecer o princípio consagrado no art. 339 do Código de Processo Civil, ou seja, de que ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, ressalvado de forma evidente os casos de sigilo previstos em leis especiais.

Outro aspecto importante, aliás, que constava no antigo Código de Ética dos Advogados, diz respeito ao dever do advogado velar pela dignidade da magistratura. Ruy de Azevedo Sodré leciona: ?O nosso dever é velar pela dignidade da magistratura como instituição, e não o de sermos fiscais dos juízes. Estes e os advogados, como irmãos do mesmo ofício, são elementos indispensáveis à administração da justiça. O advogado vive pleiteando justiça e, mais do que ninguém, tem necessidade de uma boa justiça, integrada por magistrados íntegros?. (Ética Profissional e Estatuto do Advogado, LTr, 4.ª edição, p. 161).

Devo ser ético sempre, com todos os semelhantes, nas relações familiares, comerciais e sociais. A ética trata-se de um re-ferencial para o homem. Na verdade o estudo da ética inicia na educação, na infância, máxime com o valor do exemplo. Em coisas simples, se revela a ética do cidadão, por exemplo: a) se ensino o meu filho a não mentir, sempre devo dizer a verdade, salvo aquela que humilha ou ofende o semelhante, o que deixa de ser uma verdade. Se tocar o telefone e minha mulher atende e mando dizer que não estou na frente de meu filho, estou dando um mau exemplo; b) se vou ao supermercado e deixo o carrinho de compras no corredor atrapalhando a passagem dos outros, ajo sem ética; c) se paro o veículo em fila dupla prejudicando o trânsito, cometo outra falta; d) se jogo a ponta do cigarro pela janela do carro, causando sujeira na cidade, pratico nova má conduta e assim sucessivamente. A ética está presente nas mais variadas situações do cotidiano. Importante muita atenção e observação para sempre ser ético, inclusive nos Tribunais. Assim construiremos uma sociedade mais justa, humana e solidária.

Lauro Laertes de Oliveira é magistrado no Estado do Paraná.

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