Da duvidosa constitucionalidade dos artigos 302 e 303 do Código de Trânsito

Embora tenha sido saudado com grande euforismo, considerando que há tempos se fazia necessária uma regulamentação séria do tráfego nacional, o Código Brasileiro de Trânsito não satisfez as expectativas, apresentando diversas incorreções, seguindo o antigo modelo legislativo nacional, leis mal-elaboradas e apressadas.

Os artigos 302 e 303 da referida lei representam uma das suas mais sérias impropriedades por ter legislado ao aumentar a pena cominada ao crime, feriu mortalmente o Princípio Constitucional da Isonomia, dando um tratamento mais severo ao homicídio culposo e às lesões culposas do Código Penal, acrescentando, para tanto, um elemento descritivo a mais no tipo: praticar a conduta na direção de veículo automotor.

O CTB considera veículo automotor: “Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas.”(Anexo I CTB).

Ocorre que, nos crimes culposos não se pune a ação, sendo esta lícita, mas a ocorrência, em virtude da quebra do dever de cuidado, de um resultado ilícito tipificado, chamado por muitos doutrinadores de “elemento de azar”. Dessa forma a intenção de uma pessoa que dirigindo um automóvel, sem observar as cautelas necessárias, vem a atropelar um pedestre causando-lhe lesões ou a morte, e de outra que agindo da mesma forma, porém pilotando um jet-ski, mata ou lesiona um banhista no mar é exatamente a mesma, visto que nenhuma delas dirigiu sua conduta visando a morte de outrem, no entanto a primeira conduta será punida com maior severidade, posto que o jet-ski não se enquadra no conceito de veículo automotor.

Obstempere-se que em ambos os casos a intenção e o resultado foram idênticos, não é lógico considerar que praticar o crime na direção de veículo automotor é mais grave do que praticá-lo pilotando um jet-ski, um avião ou na posse de qualquer outro instrumento, permanecendo insustentável a cominação de penas diversas.

Questiona-se também acerca da aplicação da Suspensão Condicional do Processo ao artigo 302 caput da Lei 9533/97, uma vez que, a pena mínima supera os dois anos. Porém, negar ao réu esse benefício é ferir o Princípio Constitucional da Igualdade, assim como o Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade.

A Suspensão Condicional do processo foi criada com o intuito de desafogar o Judiciário para que este possa destinar seus esforços à persecução dos crimes de maior gravidade, que colocam em risco a sociedade. É um instituto benéfico ao réu, e em virtude dessa peculiaridade, conforme entendimento atual, passou a ser considerado um direito subjetivo do réu, deixando de ser apenas uma faculdade a sua concessão, por óbvio quando este preencher os requisitos exigidos.

Dessa forma, como a inconstitucionalidade do artigo 302 da Lei 9.533/97 é cristalina, dever-se-ia continuar aplicando o parágrafo 3º do artigo 121 do Código Penal, inexistindo, assim, empecilho para a concessão do sursis processual. Afinal o juiz não é um mero aplicador da lei ao caso concreto, mas um intérprete da norma e acima de tudo, um guardião da Constituição.

Mariana da Costa Turra

é advogada.

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