Tratamento precoce

Saúde de Curitiba classifica propagação de kit covid como “completo absurdo”

Ivermectina
Foto: Diego Vara / Agência Brasil.

A discussão sobre a indicação de uso dos medicamentos do chamado “kit covid” ganhou corpo em Curitiba, depois que a prefeitura notificou, na segunda-feira (22), a empresa responsável pela colocação de outdoors favoráveis ao tratamento precoce contra a covid-19 na cidade.

Os outdoors faziam parte de uma campanha do movimento Médicos Pela Vida, que reúne profissionais da saúde favoráveis a esse tipo de tratamento precoce sem comprovação científica, com a ingestão de vermífugo e remédio para a malária. Contra o “kit covid” e com fé na ciência, o prefeito Rafael Greca (DEM) chegou a pedir intercessão divina para as pessoas se conscientizarem de que o tratamento sugerido com tais remédios é ineficaz.

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Em entrevista coletiva pelas redes sociais, na última sexta-feira (19), Greca falava da necessidade de manter a bandeira vermelha em Curitiba, pela segunda semana seguida, quando emendou o apelo anti-kit. “Invocamos a proteção de Deus, para que a consciência brote nas pessoas (…). Todo mundo tem que por na cabeça que o vírus mata, que lombriga não é vírus. Portanto, ivermectina não cura, só faz mal para os rins. Cloroquina não mata vírus, senão Manaus estaria imune pela malária. Nós temos que ter esperança na vacina”, disse o prefeito.

Na terça-feira (23), em conversa com a Tribuna por telefone, a infectologista Marion Burger, da Secretaria Municipal da Saúde, foi na mesma linha do prefeito e caracterizou como “absurdo” a promoção do tratamento precoce. “Você dar uma falsa esperança para as pessoas é um completo absurdo. Nós temos a ciência para nos ajudar”, disse a infectologista, ao comentar o pedido de retirada dos outdoors do “kit covid”.

Nas redes sociais, a discussão sobre o tratamento precoce contra o coronavírus é comum entre os internautas, desde o início da pandemia. Há quem defenda, inclusive alguns médicos, e há quem seja contra, já com base em pesquisas realizados pelo mundo com vários medicamentos do “kit covid”.

O médico Rafael Deucher, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná (Sotipa), é taxativo quando fala sobre o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a covid-19. A Sotipa representa os profissionais que estão atuando diretamente no tratamento de pacientes internados. “Tratamento precoce não existe. E nós não vemos profissionais da linha de frente, que trabalham com responsabilidade, indicarem tratamento que não existe”, alerta Deucher.

Ainda de acordo com o médico, a mensagem que a Sotipa passa, neste momento atual de pandemia, é de que a covid-19 vem sendo tratada com os protocolos médicos válidos e indicados para cada paciente, como antibiótico quando necessário ou corticoide. “O próprio uso do oxigênio é um tratamento. Então, precisa ficar claro que a doença está sendo tratada. O que não se recomenda aos profissionais de saúde é levar o paciente a acreditar que tomando esses outros medicamentos não vai pegar a covid-19 ou que ela não vai se agravar. Pelo contrário, isso pode levar a pessoa a relaxar os cuidados sanitários, o que pode levar a internação já com a doença em estágio avançado”, explica Deucher.

Em nota em seu site, a Sotipa destaca que “não apoia o ‘tratamento precoce’ estimulado por alguns profissionais de saúde”. E que não há evidência científica, até o momento, que suporte o uso de medicações como as do “kit covid”. “Essas medicações além de não atuarem contra o coronavírus possuem efeitos colaterais que podem ser graves. A Sotipa, assim como a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), segue diretrizes de tratamento pautadas na ciência, ética e na responsabilidade”.

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Movimento se posiciona

Representante do movimento Médicos pela Vida, o cirurgião Eduardo Leite, disse ao telejornal Boa Noite Paraná, da RPC, que o grupo refuta a tese de que o tratamento não é reconhecido por entidades oficiais. “(O tratamento precoce) não tem comprovação científica por essas entidades (FDA e Organização Mundial da Saúde). Nós seguimos as entidades que dizem que sim. E tem outro detalhe, quem entende de paciente é médico, não cientista”.

Segundo Eduardo Leite, o tratamento precoce não tem a ver com automedicação. “A partir do primeiro sintoma, uma arranhamento na garganta ou dor no fundo dos olhos, deve-se procurar um médico e este deve instituir de imediato o que achar mais conveniente. No preconizamos azitromicina, hidroxicloroquina e vitaminas D e Zinco”, afirmou.

Retirada dos outdoors

Procurada pela reportagem na terça-feira, a Secretaria de Urbanismo de Curitiba afirmou que notificou a empresa que instalou os outdoors, atendendo a um ofício da Promotoria da Justiça de Proteção à Saúde Pública de Curitiba, do Ministério Público Estadual (MP-PR).

Segundo a secretaria, no ofício o MP argumentava, entre outras coisas, a inexistência até o momento de comprovação científica sobre a eficácia do uso de medicamentos para tal tratamento; os riscos de agravamento da saúde pública decorrentes de seu uso; o veto contido no Código de Ética Médica (artigo 113) de se “divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”; além do reconhecimento dos próprios fabricantes de que tais medicamentos não são indicados para “tratamento precoce” da covid-19.

Ainda de acordo com a Secretaria Municipal do Urbanismo, a prefeitura oficiou o Conselho Regional de Medicina para que o órgão se manifeste sobre a indicação do tratamento precoce do novo coronavírus.

O movimento Médicos pela Vida disse repudiar a decisão da prefeitura e que houve patrulhamento ideológico e perseguição.