Dados da Secretaria de Estado da Administração (Seap) apontam para um esgotamento na saúde mental dos profissionais da educação pública do Paraná. Divulgado em junho a pedido da bancada de Oposição na Assembleia Legislativa (Alep), o levantamento aponta que 8.888 professores da rede estadual já pediram afastamento por questões de saúde mental em 2024. Ao todo, mais de 10 mil educadores precisaram se afastar do trabalho para tratamento psicológico neste ano.
Entre o fim de maio e o início de junho, duas professoras morreram durante o expediente em escolas públicas em Curitiba. No dia 20 de maio, Silvaneide Monteiro de Andrade sofreu um mal súbito. Poucos dias depois, em 5 de junho, Rosane Maria Bobato morreu com sintomas semelhantes. Ambas as mortes ainda serão investigadas.
No entanto, colegas de profissão levantaram nas redes sociais a suspeita sobre cobranças relacionadas às metas como um dos fatores estressores danosos à saúde das vítimas. Segundo relatos, Silvaneide participava de uma reunião com o Núcleo Regional de Educação quando começou a se sentir mal.
De acordo com Maria Silva*, professora da rede estadual atuante em Curitiba, desde 2022 profissionais da rede relatam que enfrentam ameaças de cortes na Gratificação de Tecnologia e Ensino (GTE) caso não cumpram as exigências. “Realizei as atividades com medo de perder essa gratificação”, relata professora.
Somente no primeiro semestre de 2024, o governo estadual investiu R$ 9.648.043,04 em plataformas de educação gamificada, que incluem ferramentas para o ensino de idiomas, matemática e robótica. Uma delas é a Quizizz, utilizada dentro do programa Desafio Paraná.
“Essas plataformas exigem cotas de produção que o professor deve cumprir, mas que muitas vezes não dependem dele, e sim da realização por parte dos alunos. Quando os alunos não cumprem, a pressão recai sobre o professor. Essas cotas geram títulos para a escola, uma espécie de score, pelo qual as instituições recebem benefícios do governo conforme o desempenho nas plataformas”, explica Maria.
Conforme informa o projeto, a atividade realizada pelos alunos na plataforma Desafio Paraná gera uma nota que varia de um a três pontos a ser acrescentado no boletim por trimestre, conforme o número de tentativas e a média de acertos. Cada estudante responde a duas questões por aula — ou seja, de 10 a 12 questões por dia, nos casos de cinco ou seis aulas diárias, respectivamente.
Ao fazer o download dos relatórios, os professores têm acesso ao percentual de acertos de todos os estudantes incluídos na atividade, além do número de alunos que a concluíram. A escala de desempenho é dividida por cores: verde para as médias mais altas de acertos; amarelo e laranja para médias regulares ou abaixo do ideal; e vermelho para médias com poucos acertos.

“Tivemos algumas conversas sobre a plataforma e recomendaram que eu saísse do colégio”
Quando essas plataformas começaram a ser implementadas, o professor de inglês Ednilson Cordeiro estava nos Estados Unidos, participando do Programa Fulbright de Aperfeiçoamento para Professores de Língua Inglesa (Fulbright DAI). Ao retornar, encontrou a sala de aula transformada.
“Naquela época [2022], era a mesma plataforma de ensino de inglês usada do sexto ano ao terceiro do ensino médio, com os mesmos exercícios para todos. Não eram seriados, era sempre o mesmo conteúdo. Tentei contestar em uma reunião, mas não houve apoio nem dos próprios professores. As pessoas têm medo”, conta.
Para adaptar as exigências, Ednilson passou a dividir a turma com outro professor, responsável exclusivamente pelas atividades na plataforma. Mas, ao tentar manter a mesma dinâmica em outro colégio estadual para o qual foi transferido, começou a ser alvo de advertências. Recebeu repreensões até mesmo por não usar jaleco em sala de aula — peça que, segundo ele, sequer era fornecida pela escola.
“Tivemos algumas conversas sobre a plataforma e recomendaram que eu saísse do colégio. Chegaram a ameaçar entrar em contato com a escola particular onde também trabalhava, tentando prejudicar minha imagem. Eu não descia ao laboratório com os alunos. Utilizava em sala de aula o que era pertinente, na minha conta, como fazia na outra escola”, detalha.
Na mesma unidade, Ednilson afirma que passou a ser alvo de acusações falsas. De acordo com ele, além das cobranças relacionadas às plataformas e ao uso do jaleco, enfrentou represálias como a recusa de licenças para cuidar da mãe enferma e para o luto após o falecimento dela. Ele foi exonerado e aguarda a conclusão da sindicância aberta a partir das acusações.
Professora da rede estadual do Paraná revela que teve Síndrome de Burnout
Assim como Ednilson, Maria também atua na rede particular. Segundo ela, uma das dificuldades frequentes é a negociação dos horários de aula para viabilizar o deslocamento entre as escolas. Embora a legislação permita o ajuste dos horários, nem sempre há flexibilidade.
“Já presenciei professores que davam seis aulas pela manhã e tinham que dar a primeira aula da tarde, sem o direito ao intervalo para o almoço”, denuncia. Maria vivenciou um desses episódios antes de se ausentar da sala de aula para tratar a Síndrome de Burnout, resultado do desgaste emocional nas negociações fora de sala de aula e da dificuldade para obter licenças-prêmio, direito garantido a cada cinco anos aos servidores públicos.
“Em 2015, meu padrão foi dividido entre duas escolas, com apenas uma turma de duas aulas em uma delas. O diretor não me liberou para concentrar tudo na outra escola, onde teria mais turmas. Esse deslocamento gerou prejuízo financeiro e psicológico. Em 2016, precisei tirar licença sem vencimento para me afastar da sala de aula e cuidar da minha saúde mental”, relembra.
Ednilson também passou por situação semelhante. “Havia um acordo verbal com a diretora para deixar as primeiras aulas vagas, já que eu saía da outra escola às 12h20. Depois de dois ou três meses, eles mudaram. Viram que essa era uma forma de me prejudicar, porque eu acabava chegando sempre atrasado”, lembra o professor.
Sindicato dos professores cobra medidas sobre plataformas digitais
Ao ser consultado sobre as denúncias feitas pelos professores, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) afirmou que as plataformas têm gerado um clima de pressão e assédio nas escolas estaduais e que tem promovido ações contra o uso delas em sala. Confira o comunicado:
“As mortes de professoras enquanto trabalhavam, o adoecimento dos(as) educadores(as) e as negativas de licenças-prêmios são faces diversas da política de morte imposta pela gestão do governador Ratinho Jr na Secretaria de Estado de Educação. A APP-Sindicato tem denunciado tais situações publicamente e apontado os problemas à Seed, sem que o governo tome providências.
Desde o mês de maio, por exemplo, o Sindicato reivindicou alterações nas regras que não aceitam atestado médico e exigem 100% de presença no Formadores em Ação, curso exigido pela Seed para que os professores possam ascender na carreira e pegar aulas no ano seguinte. Essa exigência injusta leva a situações como a do professor obrigado a assistir às aulas on-line mesmo estando num leito de hospital.
A imposição de metas de acesso às plataformas tem gerado um clima de pressão, assédio e punição nas escolas da rede pública estadual. Para resistir a essa obrigatoriedade sem sentido pedagógico, a APP lançou o Movimento Plataforma Zero, que exige, além do fim da obrigatoriedade das plataformas, o fim dos assédios aos professores(as) e das metas, das proibições de atestados médicos, da obrigação de dar presença aos estudantes faltantes, fim das provas de treinamento e da fraude do Ideb, das aprovações sem conhecimento e fim das privatizações e terceirizações na escola pública.”
Na última quinta-feira (12), o sindicato participou de uma reunião com os representantes da educação pública solicitando a revisão da política de uso das plataformas educacionais e da cobrança de metas de professores pela sua realização.
O que diz a Secretaria de Educação do Paraná
Procurada pela Tribuna do Paraná, a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (SEED) disse que as atividades realizadas pela plataforma Desafio Paraná são limitadas por semestre e servem como suporte pedagógico ao trabalho docente. Leia a íntegra do comunidade sobre o uso das plataformas e as licenças-prêmio:
“O Programa Desafio Paraná, que utiliza o recurso educacional digital Quizizz, oferece materiais de suporte pedagógico ao trabalho docente e à construção da aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento das habilidades previstas no currículo, bem como de habilidades relacionadas ao letramento digital.
A atribuição de atividades via Quizizz segue cronograma estabelecido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR), de forma a contemplar as necessidades de aprendizagem de cada etapa escolar e componente curricular. Conforme o cronograma, cada professor pode atribuir, no máximo, 10 links de atividades por turma a cada trimestre. As atividades aplicadas aos estudantes são previamente preparadas pela Seed-PR e podem ser adaptadas pelos professores, caso identifiquem essa necessidade.
A concessão de licenças-prêmio aos servidores efetivos foi retomada pela Seed-PR em 2023 e ocorre conforme a legislação vigente. Para 2025, por exemplo, foi prevista a concessão de 4 mil licenças especiais (popularmente conhecidas como licenças-prêmio), distribuídas aos professores do Quadro Próprio do Magistério (QPM) e do Quadro Único de Pessoal (QUP) e aos servidores dos Quadros dos Funcionários da Educação Básica (QFEB I e II) e do Quadro Próprio do Poder Executivo (QPPE), que tenham cumprido todos os requisitos para obter o benefício, estejam supridos nas instituições estaduais de ensino e necessitem de substituição no cargo durante o período de licença.
O número total de licenças especiais é distribuído aos Núcleos Regionais de Educação (NRE), de forma proporcional ao número de servidores efetivos em cada NRE. No primeiro semestre de 2025, foram disponibilizadas 1.979 vagas para licenças especiais; para o segundo semestre, estão previstas 2.021 vagas.”
*O nome “Maria Silva” foi utilizado para preservar a identidade da professora que concedeu entrevista à reportagem da Tribuna do Paraná.



